Tenho estado muito atarefado esses dias, por isso estou um pouco em falta com as atualizações diárias do blog. Todavia, isso me deu uma idéia para o primeiro post específico sobre aprovação em concursos. Minha primeira dica é: cuidado com o que você deseja.
É que tem muita gente por aí que idealiza a aprovação em um concurso público como se fosse o Usain Bolt vencendo os 100m rasos. “Quando eu passar em um concurso para Procurador da República (= vencer os 100m batendo recorde mundial), serei feliz”.
Isso é um duplo erro. Primeiro é um erro porque não devemos condicionar nossa felicidade a fatores externos. Segundo, porque passar em concurso é muito diferente de uma corrida. É que, hoje, se o Bolt resolver que vai só comemorar, e se tornar um garoto propaganda, ele pode. Vencer a corrida é a etapa final. Depois disso, é só comemoração.
Passar em concurso é o oposto. Depois da aprovação, começam os 35 (30, para as mulheres) anos de efetivo exercício antes da aposentadoria. Não sei se percebem, mas, pelo menos para os homens, é mais tempo do que alguém pode ficar preso!
É por isso que, para muita gente, a melhor fase da vida é aquele doce interregno entre a aprovação e a posse. Você já está vivendo a vida que o cargo vai te proporcionar, porque já pode gastar a remuneração futura, que é certa, e ainda não tem que exercer a futura profissão.
Porque, vou logo dizendo: na maioria dos cargos, inclusive no MPF, se trabalha mais do que se imagina do lado de fora. Em carreiras de advocacia pública, o trabalho, especialmente o repetitivo (centenas de ações iguais) é muito grande. E, em geral, a estrutura de trabalho também é pior do que de fora se imagina.
Então, quando o aprovado toma posse, começa o problema: antes de entrar, o sonho da vida dele era ser juiz, procurador, delegado, ou mesmo, ganhar um bom salário, fosse no que fosse. Depois, ele começa a ver que esse sonho, na realidade, é um pouco menos dourado do que quando era só um sonho. É realmente preciso trabalhar, o dinheiro, depois que você começa a ganhar, parece muito menor do que quando você não o tinha, e muitas vezes, a função não é tão boa quanto você imaginava.
Aí alguns dizem: “mas eu tenho perfil para ser ministério público”! Eu pergunto: quem disse? Por acaso você já foi? Na verdade, você idealiza aquilo que seria o perfil da função (sou equilibrado, sou bom juiz; sou brigão, sou bom promotor) e decide, na sua própria cabeça, que o sonho da sua vida é ser aquilo.
Então, acontecem mais dois erros: primeiro, você idealiza a função, e, quando efetivamente a assume, se frustra. Segundo, você começa com um discurso digno de qualquer Miss Universo: o sonho da minha vida é ser promotor e conseguir a paz mundial!
Meus conselhos: primeiro, no direito, é muito difícil dizer se você tem ou não tem perfil para essa ou aquela coisa. Eu sou uma pessoa muito moderada e todos os meus amigos diziam que eu tinha perfil para ser juiz. Fui juiz e digo, com certeza, que sou mais feliz e mais realizado no ministério Público. Então, mantenha a menta aberta. Acabe com essa bobagem de “só faço concurso para o MPF” ou para magistratura. Depois que você passar, se não quiser assumir, ótimo. Ou então, assuma, e se não gostar, saia. Mas essa história de só fazer concurso para uma coisa, além de equivocada, porque depois você pode descobrir que não era o que você imaginava, ainda é uma tremenda pressão na hora da prova. Então, esqueça.
Segunda coisa: embora seja mesmo difícil, tente descobrir o que é realmente importante para você. Dinheiro é bom, mas depois dos primeiros meses ou anos, se você não gostar do trabalho, vai virar um tormento e você, um péssimo profissional. Temos muitas oportunidades de mudar o mundo, nós do direito, ainda mais em um país como o nosso, pobre de tudo. É importante que tentemos fazer a diferença. Mas faça isso de cabeça aberta. Não existe um único perfil para cada função. O importante é saber se você se realiza ou não naquela atividade. Há espaço para juízes conservadores e progressistas. Há espaço para promotores radicais e moderados. As instituições só ganham com a diversidade. Então, acabe com os pré-conceitos e estereótipos.
E estude, porque você também vai passar!
Realmente, muito pertinente esse seu comentário. Sou advogada há 7 anos, mas há uns três já não milito muito - acho que essa função não é para mim; adoro escrever, mas enfrentar outros advogados em audiência, aturar mentiras e arrogância, definitivamente não me traz realização alguma! Tenho uma irmã juíza do trabalho que acha que tenho jeito para a coisa... não sei, nunca tive essa pretensão: está aí um foco ao contrário do seu comentário - posso até ser um dia, mas não estou com grandes espectativas, apenas estou estudando sem a obrigação de passar nesse ou naquele concurso... mas é claro que tem que direcionar o estudo para uma área específica, senão fica difícil passar...
ResponderExcluirSou a autora desse comentário; ainda não tinha virado seguidora. Agora apareci, para fazer um outro comentário: na pressa, escrevi "espectativas", com "s"...e não "expectativas". Esse é um exemplo de que não se deve escrever com pressa, tanto para um simples comentário, quanto, mais importante ainda, para uma prova de concurso (isso, porque reli o que tinha escrito!). Quem leu, deve ter pensado: "essa aí ainda vai ter que estudar muito!" rsrsrs... Abraços...
ResponderExcluirEste texto é muito lúcido. Durante todo o curso tendemos a idealizar as profissões. Se alguém saber se tem o perfil para determinada carreira, acredito que seja fundamental realizar estágios na área pretendida.
ResponderExcluirMeu estágio na defensoria, por exemplo, me revelou que não seria feliz trabalhando como defensor. Nunca iria saber disso sem essa experiência.
Interessante seu cometário professor, especialmente que dentro das instituições há espaço para todos os perfis, aliás, que tal diversidade seria salutar.
ResponderExcluirO que me diz sobre a atual prática de concursos públicos de estabelecer perfis profissiográficos em avalições psicológicas (teste psicoténico) nos quais o candidato deve se enquadrar, sob pena de ser eliminado?
Lembro que, segundo os psicólogos, a finalidade seria verificar se o candidato tem perfil compatível com o do cargo.
Depois, o senhor não vislumbra nessa exigência uma violação à insonomia?
Além da resposta no blog, gostaria que enviasse ao meu email para facilitar a leitura da resposta..
grato
Thiagofscosta@gmail.com
Muito bom o artigo.É pé no chão. Não se deve idealizar a vida, muito menos cargos públicos.Mas creio ser possivel sermos felizes dentro das instituiçoes invertendo a formula que o habito faz o monge .É o monge que tem que fazer o hábito.Temos que imprimir nossa marca .É o único jeito
ResponderExcluirUm texto de admirável lucidez. É muito bom poder ler algo assim e refletir sobre o caminho a ser trilhado. Principalmente para alguém como eu, que estou, verdadeiramente, iniciando nessa jornada por uma carreira "dos sonhos". Acredito que antes de escolher um cargo, uma pessoa razoável deveria investigar, ouvir relatos de quem tem experiência na profissão e saber o mínimo sobre a vida de quem já o exerce, tudo isso para ter o mínimo necessário de noção sobre o que pode ou não corresponder às próprias expectativas.
ResponderExcluirACHO QUE AS RESPOSTAS ESTÃO DENTRO DE NÓS, O PROBLEMA É QUE NEM TODOS A OUVEM. comecei a estudar direitos indígenas e busquei saber qual área precisaria atuar para esse exercício, por isso o sonho do MPF. Quando vi a fala da Dra. Débora Duprat em um vídeo identifiquei essa mesma sintonia. Sigo em frente. Vou conseguir. Tive minha iluminação.
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