domingo, 25 de setembro de 2016

Tutela provisória no Novo CPC: estrutura básica

Publicado o primeiro vídeo da série com respostas às perguntas dos leitores sobre o Novo CPC. A proposta da série é fazer vídeos curtos, que expliquem de modo objetivo as dúvidas apresentadas pelos leitores. Envie a sua pergunta para concorrer ao meu curso do Novo CPC na Mito Concursos. 


quarta-feira, 7 de setembro de 2016

sábado, 3 de setembro de 2016

A Caixa de Pandora

Em três edições do Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas (Editora Jupodivm, 2012, 2014, 2016) posicionei-me como um defensor das ações afirmativas no Ensino Superior como uma política pública interessante para coibir a distorção que vi e vivi quando fui usuário desse serviço público: a maioria absoluta de meus colegas era branca e compunha a classe média-alta ou alta do país. Eram recém-saídos dos melhores colégios de Minas Gerais e tinham sua educação pública e gratuita financiada pelos tributos que os desvalidos deste país são obrigados a recolher. É preciso muita ignorância ou muito cinismo para dizer que esse cenário não precisava ser mudado. Ele melhorou consideravelmente nos últimos anos, com a adoção das ações afirmativas, consagradas no julgamento da ADPF 186 e, posteriormente, na Lei 12.711/12.

Havia, entretanto, um porém, que parecia pequeno, à época: definir quem é negro. Algumas universidades, como a UnB e a UFPR, embora insistissem, teoricamente, que o critério de enquadramento racial era a autoidentificação, criaram comissões, com denominações eufemisadas ao gosto brasileiro, para avaliar as declarações de quem se dizia negro, pretendente ao benefício. Essa conduta foi validada pelo supremo Tribunal Federal, que fugiu da questão na análise da ADPF 186, permitindo, em fundamentação superficial, que qualquer tipo de avaliação fosse feita. No campo das Universidades, as comissões só acabaram após instrução normativa do Ministério da Educação, que se seguiu à Lei anteriormente mencionada.

Eu reconheço, com muita clareza, as boas intenções que estavam por trás disso, a tentativa de evitar a fraude e o descrédito da política em um país miscigenado e pouco respeitoso à legalidade. Mas hoje, com a vantagem de olhar para o passado, vejo que isso destrancou uma caixa de pandora cujos resultados tremendamente nefastos começamos a viver.

Criou-se a cultura de que raça é algo avaliável externamente. Não é um constructo decorrente da vivência pessoal e social, mas uma avaliação “fenotípica”. Ninguém nunca diz qual fenótipo seria o necessário para que alguém fosse considerado negro. Diz-se apenas que deve ser avaliado o fenótipo do candidato, desconsiderando sua declaração se a comissão julgar que o declarante não tem o fenótipo – não definido anteriormente – adequado aos parâmetros – não publicizados – da comissão.
Tudo parecia bem, entretanto, após a Lei 12.711/12, que incorporou a política racial em um corte social, diminuindo, assim, o peso da raça. Como a maioria dos pobres, no Brasil, é negra, o corte social serviria, com alguma probabilidade, para evitar maiores problemas.

Mas aí veio a Lei 12.990/14, votada às pressas em ano eleitoral, e previu o critério puramente racial como vantagem competitiva para concorrer a cargo público e, apesar de afirmar que o critério de verificação seria a autodeclaração, autorizou que esta fosse desconsiderada caso fosse “falsa”. Observe: a lei não diz o que é uma declaração verdadeira, mas permite que ela seja rejeitada se for falsa. Trata-se, mais uma vez, de uma construção que ressalta os piores defeitos do direito brasileiro, de sua construção apressada e irrefletida.

A norma vem dando diversos frutos nefastos:

Primeiro:  em uma ação que ganhou publicidade nacional, o Ministério Público Federal ajuizou ação para, com base em fotografias de documentos e de redes sociais, obter ordem judicial para obstar a matrícula de aprovados em concursos por terem falsamente se declarado negros. A liminar foi deferida.

Segundo: o Ministério do Planejamento, respondendo às perplexidades de diversos órgãos da Administração Pública Federal, editou a Orientação Normativa, em agosto de 2016, prevendo a criação de comissões, em todos os concursos, para avaliar, presencialmente e de acordo com o fenótipo, quem é negro e quem não é. Veja bem: nem a norma, nem o edital, dizem quem é negro. Dizem apenas que deve ser avaliado o fenótipo e recusado quem não é.

Terceiro: o Instituto Federal do Pará, na tentativa de obter maior clareza científica sobre quem é negro e quem não é, criou a tabela abaixo, cuja imagem recebi e disponibilizo, a qual dispensa maiores comentários. É preciso passar em uma prova de negritude, com nota mínima e tudo, para ser negro no Pará. Depois da repercussão, esse anexo foi suprimido, mas, como não existe critério para saber quem é negro, nada impede que a banca o utilize. É só não publicar os resultados e afirmar, genérica e laconicamente, que a banca não considerou o candidato negro. Assim, retirar o anexo do edital não resolve o problema: nós teremos que desenvolver critérios cada vez mais “científicos” para dizer quem é negro e quem não é, para fins de cotas.

David Landes, em seu livro sobre a inquisição, após descrever os abusos e excessos do processo inquisitorial, escreve uma frase triste e marcante, da qual me lembrei assim que recebi o documento do IFPA e concluí que não se tratava de uma falsificação: “Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se”. Ao ler que um órgão público federal considerou razoável publicar um documento no qual pretendia avaliar os dentes, os lábios, o nariz, a testa, os cabelos, a barba e a pele dos candidatos, só posso pensar no quanto estamos nos rebaixando. Em nome de evitar a fraude, de proteger os beneficiários da política – esse foi o argumento usado pelo Instituto em sua nota sobre a polêmica – estamos criando um sistema de classificação racial que nunca existiu no Brasil. E, pior, estamos fazendo isso, supostamente, em nome da proteção dos direitos dos destinatários da política.

Eu sei que toda comparação que se faz com o nazismo é chocante e sempre parece exagerada ou emocional. Mas estive recentemente no museu do holocausto de Washington e posto abaixo, ao lado do diagrama do IFPA, duas fotos de um livro que comprei. Eu sinto muito, mas não consigo ver que a comparação seja exagerada. Ainda que os nazistas o fizessem para matar e nós o façamos com a justificativa de proteger, a metodologia me parece, senão idêntica, análoga.  


Peço desculpas se pareço tão decepcionado e se não consegui formular este texto com a leveza que procuro imprimir aos meus escritos. É triste ver políticas que têm potencial para corrigir distorções tão sérias do país serem conduzidas de modo tão irrefletido e distorcido, mesmo que, reitero, com boas intenções. É dessas imagino, que o inferno deve estar cheio.

Abaixo estão a imagem da tabela desenvolvida pelo IFPA, algumas fotos da metodologia "científica" nazista de classificação racial (algumas estão disponíveis neste link, e outras são do Museu Holocausto de Washington). Segue também link para um artigo meu, publicado na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas, no qual discuto o tema com mais rigor