terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Sobre o Natal e os concursos


Pode parecer que não, mas o Natal e outras datas festivas têm muito a ver com a preparação para os concursos públicos. É que nessas épocas nossa sociedade tradicionalmente valoriza a reflexão, o "pensar na vida" nesses momentos do ano. E isso, para quem acumulou esforços e, eventualmente, resultados negativos ao longo dos últimos meses, pode ser muito doloroso. 

Por isso, minha sugestão é fazer o contrário disso. Esse não é o momento de avaliar como foi o seu ano enquanto candidato. Não é o momento de pensar o que deu errado ou quais as razões dos seus resultados. Auto avaliação é, na minha opinião, uma das coisas mais importantes que um candidato tem a fazer quando é reprovado. Mas não agora. Deixe para pensar nisso em 2014. 

Nessa contexto, vou repetir meu conselho de todos os anos: a não ser por aqueles que, tal como os meus alunos do MPF e da Magistratura, estão a caminho de uma prova oral, agora não é o momento de estudar. Como diria meu querido avô, que tive a infelicidade de perder neste ano, "quem não se contentou com comer, muito menos com lamber". Se você levou os estudos a sério o ano inteiro e não tem uma prova iminente, estudar agora não resolve nada. Se você não estudou, não adianta agora entrar em crise e levar o vade-mecum para a ceia de Natal. Isso não vai adiantar nada, só vai servir pra você se estressar. 

Desejo a todos um feliz natal e aproveito a oportunidade para agradecer a atenção, o carinho e, especialmente, o valioso tempo que vocês dedicaram a mim durante este ano. Espero que tenha valido a pena.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Como dividir o tempo durante as provas

Muitas coisas que acontecem na minha vida acabam me afastando um pouco do blog. Uma delas foi recente e, antes de falar sobre ela, gostaria de agradecer a todas as pessoas que reclamaram e vociferaram contra a minha ausência. Fico realmente lisonjeado que haja tanto interesse no que eu tenho a dizer.

O que aconteceu é que, como sabem, estou cursando o doutorado na UFPR e pretendo realizar uma parte da pesquisa nos Estados Unidos, uma vez que meu tema são as class actions. O problema é que, para ir na condição de visiting researcher, ou seja, de modo oficial, é preciso prestar o exame do toefl e obter pelo menos 100 pontos, em um total de 120. É uma nota bastante alta.

Para encurtar as coisas, eis-me, mais uma vez, fazendo um concurso. Estudei inglês durante muitos anos, mas há muitos anos atrás. Então, estava enferrujado. Primeira providência, cursinho. Achei que, para pegar o ritmo novamente, precisava de um professor. Acho que isso vale também para concursos, mas farei um post específico sobre esse assunto nos próximos dias. 

Fui fazer a prova e a primeira parte dela é a leitura. É a parte que, de longe, considero mais fácil. Então, comecei tranquilo, fui lendo os textos sem grande pressa. Sabia que essa parte estava no papo.

Só que eram 42 questões, para serem respondidas em 60 minutos e elas se referiam a 3 textos diferentes. Quando me dei conta, ainda tinha mais de 20 questões para responder e um texto inteiro para ler e faltavam menos de 20 minutos. Fiquei totalmente desesperado. Essa prova é feita no computador e fica um relógio regressivo na tela. Eu só conseguia olhar no relógio. No final, tive que chutar umas 8 questões sem nem ler o que estava escrito.

Parafraseando a propaganda do Pelé, isso nunca tinha me acontecido antes. Fiz dezenas de provas de faculdade, concursos públicos, seleção de mestrado e doutorado e nunca, nunca tinha tido problemas com tempo. Foi, confesso, um grande trauma.

Essa situação me fez pensar na dificuldade que muitas pessoas têm com o tempo nos concursos e da necessidade de lidar com isso. Na primeira etapa do MPF, que são 120 questões em 5 horas, muitas pessoas já me disseram que tiveram que chutar as últimas questões por falta de tempo.

Acho que a experiência negativa que tive é extrapolável para a maioria das situações: quem tem problemas com o tempo nos concursos é porque dá bobeira no começo. Acha que tem que ler tudo com muita calma e pensar bastante antes de se decidir. No final, acaba sendo obrigado a correr.

É preciso ter consciência de que as questões têm valor igual. Não adianta pensar longamente em uma só para ter que chutar a outra depois. Na minha opinião, a solução para esse problema é matemática. É preciso dividir o total de questões da prova pelo tempo, dar uma margem de erro, especialmente para passar o gabarito e fazer acompanhamentos parciais.

Vou dar o exemplo com o MPF. São 120 questões e 300 minutos. Vamos tirar 30 para o gabarito. 120 questões em 250 minutos. Isso significa aproximadamente 2 minutos por questão. Então, ao final da primeira hora ou, no máximo, aos 70 minutos de prova, você deve ter terminado 30 questões ou 1 grupo inteiro. Assim, você terminará a prova toda entre 4 horas e 4 horas e 40, com tempo bastante para passar o gabarito.

Mas o importante é manter esse controle durante toda a prova e se perceber que está atrasado, começar a tirar o atraso desde cedo, sem deixar que ele se acumule no final. Acostume-se a monitorar a si mesmo e esse problema vai acabar. 1ª hora: 30 questões. 2ª hora, 60 questões e assim por diante. Não se deixe dominar pela prova. Domine-a.

Sei que muita gente vai dizer que isso é óbvio. Garanto que para quem já esteve na situação em que eu estive recentemente, chegando ao final de uma prova e, sem saber a razão, com inúmeras questões ainda por responder, isso não é nada óbvio. Só quem viveu sabe o desespero que é. A solução pode ser simples, mas o problema é muito sério. É preciso compreender que você não pode fazer a prova no seu ritmo. Cada prova tem um ritmo e você precisa se adaptar. No meu caso, eu deveria ter respondido uma questão por minuto, deixando o tempo extra para as mais difíceis. É muito pouco tempo, mas se eu não adaptar meu ritmo à prova, jamais serei capaz de fazê-la adequadamente.

P.S.: No final das contas, recebi o resultado hoje e marquei 113 pontos no teste. Bem mais que o necessário. Mas isso não tirou a sensação de desespero do momento.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Resultado da 2ª etapa do concurso do MPF

Essa semana tivemos o resultado da prova aberta do 27º concurso para Procurador da República. Foram 79 aprovados e está correndo o prazo recursal. O resultado ficou dentro do previsto. O número de vagas abertas até então é um pouco menor do que isso e o número é compatível com o que tivemos nos dois concursos anteriores. Pelos contatos que já tive com os candidatos, os grupos 2 e 3 foram os que mais causaram problemas, em razão do rigor da correção. Quanto ao G3, vou me permitir reproduzir o elogio que recebi de um candidato aprovado: 

recebi a feliz notícia de que fui aprovado na prova discursiva e vou para a prova oral do 27 CPR. Devo muito ao senhor, por sinal, pois o parecer do GIII foi esmiuçado pelo senhor na aula sobre Quilombolas (caso da Ilha da Marambaia/RJ).

De fato, tanto quem assistiu minha aula, quanto quem leu meu livro Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas (especialmente páginas 236 a 243), tinha lá, prontinha, a tese principal do caso, que é o julgado do STJ relativo à Ilha da Marambaia. Não preciso dizer que fiquei muito feliz com isso. 

Para quem não passou, eu recomendo que recorram. Recorrer é de graça e o MPF tradicionalmente dá provimento em alguns recursos na segunda etapa (embora poucos). Para quem passou, é hora de pensar na inscrição definitiva (vale a pena dar uma conferida no post  A bíblia dos três anos de atividade jurídica), e, é claro, começar a preparação para a prova oral. Tal como nos dois concursos anteriores, ministrarei o curso para essa etapa em parceria com o Verbo Jurídico. Estamos planejando a primeira turma para o dia 18 de janeiro, uma vez que, quanto mais cedo for o curso, mais tempo o candidato tem para praticar as dicas. Quem tiver interesse, pode mandar um e-mail para daniel@verbojuridico.com.br ou ligar (51) 8142-3797. 

Farei também mais algumas postagens de dicas para a prova oral. Quem quiser, pode ler as que já estão disponíveis no blog para começar a entrar no clima.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Estudar pelo edital ou ler a matéria completa?

Uma pergunta que eu recebo com muita frequência se refere à técnica de estudo: é melhor estudar pelo edital, seguindo-o ponto por ponto, ou ler uma obra inteira da disciplina?

Sou adepto da segunda técnica, a leitura de obras como um todo para cada matéria, especialmente para quem está começando. Estudar seguindo os itens do edital, por mais interessante e racional que pareça, é uma técnica que tem vários problemas.

O primeiro deles é a própria estruturas dos editais. Nem todos são bons. Muitos, senão a maioria, não têm a preocupação de organizar os pontos em uma ordem lógica. O edital não é um guia de estudos, de modo que essa organização não é sua preocupação primária. Basta pensar no edital do MPF. É uma bagunça total para quem o lê pela primeira vez. Mas isso tem uma razão. O edital do MPF organiza os pontos para permitir que pontos variados sejam cobrados do candidato na prova oral, evitando que o candidato possa ser muito prejudicado pelo sorteio. Assim, o candidato fica com duas opções: perder um longo tempo reorganizando tudo ou estudar a matéria fora de ordem.

Perder tempo reorganizando o edital é, como parece evidente, perda de tempo. Você vai ficar horas reorganizando coisas sem que disso resulte uma vantagem evidente. Isso supondo, é claro, que você conheça a matéria tão bem ao ponto de saber reorganizá-la adequadamente,

Estudar pulando para frente e para trás no livro também não é boa ideia. Como autor de dois livros, posso dizer a vocês que, quando o autor escreve o livro, ele pressupõe que o leitor vai lê-lo na ordem. Assim, é comum que determinados assuntos que estão, por exemplo, na página 200, pressuponham do leitor o conhecimento do que está antes. Ninguém escreve um livro explicando em cada capítulo aquilo que já constou dos anteriores. Por isso, se você começa a pular coisas, corre sempre o risco de ter mais dificuldade para compreender outros assuntos.

Outro problema é que muitas vezes você pode interpretar mal o edital e, na ânsia de selecionar partes de um livro, supor que um determinado tópico está excluído quando, na verdade, não está. Para quem pretende estudar uma matéria exaustivamente, é sempre bom interpretar o editar de modo ampliativo.

O terceiro problema se refere à pouca utilidade desse esforço todo. É claro que, por exemplo, se o edital do seu concurso não prevê que seja cobrado, em constitucional, nada sobre sistema tributário nacional, não tem sentido ler sobre isso. Por outro lado, tem gente que, se o edital diz que vai cobrar ação direta de inconstitucionalidade, entende que não precisa ler nada sobre ação declaratória de constitucionalidade ou arguição de descumprimento de preceito fundamental. Isso eu considero um erro. A compreensão de determinados institutos pressupõe que você entenda outros. Há determinadas coisas que não se pode estudar em fascículos.

O último óbice tem a ver com formar uma base de conhecimento. Pular partes da matéria faz com que você tenha compreensões parciais das coisas, o que prejudica sua memorização. Você acaba refém de decorar coisas que você nunca entende perfeitamente, ao invés de entender o que estuda, o que propicia uma apreensão que dura muito mais na memória.

Em síntese, use o edital apenas para selecionar grandes segmentos da matéria que são cobrados e não para pular umas poucas páginas no livro. Selecionados os tópicos a serem abordados, leia tudo. Se, eventualmente, alguma coisa não for aproveitável agora, certamente o ajudará a compreender a matéria com mais profundidade e, ainda mais, poderá ser aproveitada em um concurso futuro. Essa é uma daquelas situações em que devagar se vai mais longe.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Segunda etapa do Ministério Público Federal 1

Já escrevi sobre o estudo para a segunda etapa algumas vezes, mas acho que, dada a situação do 27º concurso do MPF, em razão da elevada nota de corte da primeira etapa.

Sobre essa nota, aliás, recebi um comentário de um leitor no sentido de que, apesar das aparências, nem eu nem outros que fizeram previsões acerca de tal nota erraram tanto quanto parece. A prova, em primeiro lugar, foi mais fácil que a anterior. Em segundo lugar, foram anuladas 9 questões, o que significa pelo menos 11 pontos a mais para os candidatos. Assim, quem já tinha 74 pontos, subiu para os 85 pontos (desde que, por azar, não tivesse acertado alguma questão anulada, é claro).

Previsões à parte, vamos à segunda etapa. O primeiro ponto fundamental é esse é o momento em que o perfil do examinador conta muito. Aqui ele tem total liberdade de elaborar a questão que quiser. Na oral, ele está restrito ao ponto sorteado e, na primeira fase, está (ou deveria estar) restrito pelas resoluções do CNMP.

Na segunda etapa, o céu é o limite. Então, esse é o momento de buscar conhecer o examinador. É hora de buscar as matérias que ele gosta, os textos que ele já escreveu, aquilo em que ele vem trabalhando.

Vou trabalhar essa questão aqui no blog, examinador por examinador. Mas hoje quero falar de questões mais gerais. Sua primeira missão, se você está entre os 240 aprovados, é ler as provas abertas do 25º e 26º concursos, de modo a ter uma boa noção de como são as perguntas.

Sua primeira impressão, muito provavelmente, será: “meu Deus do céu, não sei nada disso!” Respire fundo, isso não é verdade. A regra número 1 da prova aberta é que não se deixa questão em branco. A correção do MPF costuma avaliar muito o conhecimento demonstrado pelo candidato, mesmo que a resposta não esteja propriamente dentro do desejado. Então, aqui é o momento de usar o que eu sempre chamo de “raciocínio jurídico” e se esforçar para elaborar respostas, mesmo que você não tenha absoluta segurança do que está dizendo.  Se você se sente muito desconfortável com isso, talvez seja bom praticar um pouco.

Segunda coisa. É hora de ler doutrina. Como você também já terá percebido pela leitura das provas anteriores, a prova é muito conceitual. Lei seca não ajuda muito e você já teve ter tido uma boa dose disso antes da primeira etapa.

Mas, tem um porém. Nos últimos 2 concursos, especialmente no 26º, a prova ganhou uma boa dose de pragmatismo. Caiu um recurso e três pareceres, ou seja, uma guinada de 180 graus em relação ao 24º concurso, em que todas as dissertações foram dissertações puras, sem aplicabilidade prática.

Então, se você tem alguma dúvida sobre isso, é melhor dar uma olhada. Embora tenha havido inversão dos examinadores de processo penal, continuo apostando em uma peça processual no G4. Quem é fraco em processo penal pode começar se atentando para isso. Lembre-se também de que parecer não é uma simples dissertação. Estruture o texto como um parecer (Relatório-Fundamentação-Conclusão). Uma boa dica, caso haja um caso tão complexo como o do G2 do 26º, é fazer, no relatório, apenas uma descrição genérica da situação e referir que, por brevidade, os argumentos específicos serão expostos ao longo da fundamentação. Assim, você não perde linhas preciosas com argumentos que deverão ser retomados depois.

Para fechar o post, um vídeo da Deborah Duprat. Apesar de postado com finalidade de crítica, o que ela fala está corretíssimo. A consulta preconizada pela Convenção 169 da OIT não é vinculante. Isso não significa que ela possa ser feita de qualquer jeito, para não valer nada. Ela tem que ser feita de boa-fé, buscando, de modo fundamentado, a melhor alternativa. É uma boa aula.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

27º Concurso do MPF: quando as previsões falham

Eu já disse muitas vezes que as pessoas deveriam perder menos tempo lendo o Correio Web e sofrendo desnecessariamente. Sei que não é fácil. Mas é o certo. Essa história de fazer previsões sobre concurso é a ciência mais inexata que existe e só gera sofrimento.

Mas, sabe como é, todo mundo pergunta e eu mesmo me aventurei a fazer uma previsão. Não deveria ter abdicado de minha própria filosofia. Afirmei que o corte não passaria de 77 pontos líquidos. Hoje saiu o resultado e, surpresa, 83 pontos líquidos, o que, dependendo de como a pontuação se dividiu nos grupos, significa que a pessoa teria que ter acertado aproximadamente 92 questões em uma prova de 120, ou 76.6% de acertos.

É muita pontuação e, certamente, muito além do que qualquer um, inclusive eu, imaginava. Mas também é certo que essa tendência de aumento da nota já havia. Eu escrevi que a prova havia sido mais fácil (para o padrão MPF) e que o corte provavelmente subiria. E subiu esse tanto em razão das 9 questões anuladas.

Sei que hoje é um dia de decepção para muitos. Muitos acreditavam firmemente que estariam na segunda etapa e não estarão. Meus sentimentos a todos. Procurem refazer a prova, aprender o que erraram e tirar o melhor proveito possível dessa reprovação (ver o post Como aproveitar bem uma reprovação).

Aos que passaram, é hora de apertar o passo nos estudos. Passou muita gente para a segunda etapa, em relação ao número de vagas e, pelo nível dos aprovados, a segunda etapa vai ser muito disputada. Vou escrever sobre isso mas, no momento, a primeira coisa a fazer é reler a prova do 25º e 26º para ter uma boa noção do que estudar e do estilo da prova.

E fica a lição: enquanto não sai o resultado, não adianta rir, nem chorar, nem fazer ranking online...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

27º Concurso do MPF: análise da prova

Pessoal, como vocês viram, o MPF resolveu adiantar o exame médico e testar se algum dos candidatos tem problemas cardíacos. Adiou a entrega da nota da primeira etapa. Isso se deve às profundas modificações vividas pela instituição nos últimos dias, com a saída do Secretário do concurso, que já ocupava o cargo há vários certames e a assunção do novo PGR, Rodrigo Janot. Essa última, aliás, é uma boa notícia para quem pensa no 28º Concurso. Janot, além de ter o mérito de ser mineiro, já defendeu publicamente mais de uma vez que ao encerramento de um concurso deve se seguir a abertura do próximo. Assim, podemos esperar o 28º assim que terminar o 27º.

Não acredito que a divulgação do gabarito demore muito, mas, nesse meio tempo, vou continuar a análise da prova da primeira etapa. Em alguns dias pretendo publicar um post sobre organização do tempo para o estudo em relação à segunda etapa.

Não tenho, nem pretendo ter, nível para comentar as questões de direito internacional (não caía no meu concurso), mas vou passar apenas por uma. A questão 12 foi pergunta de prova oral do Dr. Eugênio no concurso anterior. Só que ele não deu tanta dica para os candidatos. Perguntou, simplesmente, “o que é erre dois pê”? (com a pronúncia aportuguesada, o que dificulta mais).

Segundo a Wikipedia: The responsibility to protect (R2P or RtoP) is a United Nations initiative established in 2005. It consists of an emerging intended norm, or set of principles, based on the claim that sovereignty is not a right, but a responsibility. R2P focuses on preventing and halting four crimes: genocide, war crimes, crimes against humanity, and ethnic cleansing, which it places under the generic umbrella term of mass atrocity crimes. The R2P has three "pillars":

A state has a responsibility to protect its population from genocide, war crimes, crimes against humanity, and ethnic cleansing.

The international community has a responsibility to assist the state to fulfill its primary responsibility.

If the state manifestly fails to protect its citizens from the four above mass atrocities and peaceful measures have failed, the international community has the responsibility to intervene through coercive measures such as economic sanctions. Military intervention is considered the last resort.

Logo, a resposta certa era a alternativa D, uma vez que o R2P permite o uso de intervenção militar, como último recurso. Questão bastante difícil para quem não soubesse o que era.

Ainda no internacional, houve uma questão sobre índios:

15. AS REGRAS DE BRASÍLIA SOBRE ACESSO À JUSTIÇA DAS PESSOAS EM CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE DISPÕEM QUE:

a) ( ) a condição de pertencer à comunidade indígena pode implicar vulnerabilidade quando seu

integrante exercita seus direitos perante o sistema de justiça estatal;

b) ( ) os integrantes das comunidades indígenas reclamarão seus direitos em sistemas judiciais comunitários próprios de sua cultura, devendo ser evitado obrigá-los a litigar no sistema de justiça estatal;

c) ( ) os integrantes das comunidades indígenas terão sempre o direito de fazer uso de seus sistemas judiciais comunitários, ainda que se trate de litígio extraindígena;

d) ( ) os integrantes das comunidades indígenas resolverão seus conflitos internos exclusivamente por meios próprios, dentro da tradição de sua cultura.

A questão também não é fácil. As regras de Brasília estão disponíveis em vários sites, inclusive no blog do Vlad (http://blogdovladimir.wordpress.com/2010/07/01/as-100-regras-de-brasilia/) É um assunto mais comum em provas de defensor público. Sobre os índios, ela afirma:

4.- Pertenencia a comunidades indígenas

(9) Las personas integrantes de las comunidades indígenas pueden encontrarse en condición de vulnerabilidad cuando e jercitan sus derechos ante el sistema de justicia estatal. Se promoverán las condiciones destinadas a posibilitar que las personas y los pueblos indígena s puedan ejercitar con plenitud tales derechos ante dicho sistema de justicia, sin discriminación alguna que pueda fundarse en su origen o identidad indígenas. Los poderes judiciales asegurarán que el trato que reciban por parte de los órganos de la administración de justicia estatal sea respetuoso con su dignidad, lengua y tradiciones culturales. Todo ello sin perjuicio de lo dispuesto en la Regla 48 sobre las formas de resolución de conflictos propios de los pueblos indígenas, propiciando su armonización con el sistema de administración de justicia estatal. (link para o texto em português: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/100%20Regras%20de%20Acesso%20%C3%A0%20Justi%C3%A7a.pdf)

Pelo exposto no conceito, sabemos que a alternativa "a" é correta, pois o índio pode estar em situação de vulnerabilidade quando litiga na justiça estatal. Essa questão está abordada na p. 338, item 57.2 da nova edição do meu Estatuto do Índio. Isso já resolvia a questão.

As alternativas “c” e “d” se referem a Estados que têm dualidade de jurisdição, indígena e não indígena, tal como a Bolívia (ver, no Estatuto do Índio, o Adendo). A alternativa “d”  confesso, me gerou dúvidas. Eu a consideraria correta, talvez com a ressalva do “exclusivamente”. Se estivesse escrito que as comunidades indígenas resolverão seus conflitos internos precipuamente por intermédio da tradição de sua cultura, a afirmativa seria absolutamente correta. No Estatuto do Índio, 2ª edição, p. 338, escrevo:

Trata-se de um bom exemplo de pluralismo jurídico no Estado brasileiro, já que se vislumbra a admissão, pelo ordenamento nacional, de normas jurídicas vinculantes e inovadoras produzidas por órgão diverso do Poder Legislativo, ainda que restritas a algumas comunidades. A norma, desde que não viole os parâmetros mínimos de dignidade, é reconhecida como válida pelo próprio Estado, que veda, inclusive,interferência para a aplicação de outras, produzidas por seu próprio legislador.

O Estado vai apenas até o ponto de avaliar se há ou não intolerável violação de um parâmetro mínimo constitucional. Cumprido esse requisito mínimo, a norma indígena, produzida pelo costume ou pelo legisladorindígena, vale, qualquer que seja seu conteúdo.

Quanto a alternativa B, ela dá uma ideia um pouco distorcida da situação, por isso está errada. Não é que se deva evitar que os índios litiguem na justiça comum. O caso é de se respeitar as decisões da jurisdição indígena e de dar especial atenção a eles nas situações em que litigam na justiça comum. Vejam que não é uma alternativa radicalmente errada. É preciso ter sensibilidade para perceber o erro envolvido. Por isso considero uma questão difícil. 

Em relação às regras de Brasília, ainda é relevante a de número 48 e 49:

Sección 6ª.- Sistema de resolución de conflictos dentro de las comunidades indígenas 

(48) Con fundamento en los instrumentos internacionales en la materia, resulta conveniente estimular las formas propias de justicia en la resolución de conflictos surgidos en el ámbito de la comunidad indígena, así como propiciar la armonización de los sistemas de administración de justicia estatal e indígena basada en el principio de respeto mutuo y de conformidad con las normas internacionales de derechos humanos. 

(49) Además serán de aplicación las restantes medidas previstas en estas Reglas en aquellos supuestos de resolución de conflictos fuera de la comunidad indígena por parte del sistema de administración de justicia estatal, donde resulta asimismo conveniente abordar los temas relativos al peritaje cultural y al derecho a expresarse en el propio idioma.


É, parafraseando meus amigos gaúchos, ficou um post trilíngue. Estudar para o MPF é isso. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Lançamento do meu livro Estatuto do Índio, 2ª edição

Em uma era em que a publicidade grassa os blogs, devo avisar, embora isso talvez seja meio óbvio, que este é um post publicitário. A editora Juspodivm está promovendo, essa semana, o lançamento oficial da segunda edição do meu livro Estatuto do Índio, que pode ser adquirido a preço promocional neste link. Também estão disponíveis duas promoções para quem quiser  comprar o Estatuto do Índio junto com o Estatuto da Igualdade Racial ou junto com o Temas Aprofundados do MPF. Sei que tem gente que não gosta da propaganda no blog, mas consolem-se com os fatos: 

1. ao contrário de muita gente por aí, eu só faço publicidade dos meus próprios livros. Fora eles, todos os demais livros que indico estão aqui exclusivamente por serem bons (há quem diga que os meus livros também são bons, mas em relação a isso, só o que posso fazer é agradecer).

2. como diria meu ilustríssimo professor de Direito Econômico, João Bosco Leopoldino, se nem eu mesmo indicar meus livros, quem há de indicá-los? 

Aproveitem as promoções! 




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Nota de corte do 27º concurso do MPF

Meus amigos, várias pessoas pediram para eu escrever sobre a nota de corte da 1ª etapa do MPF, dada as especulações que vêm atormentando os candidatos. Como sabem, é preciso fazer 15 pontos em cada grupo, o que significa pelo menos 18 acertos, caso você tenha respondido a todas as questões. Abro aqui um parênteses: um aluno me disse que corre uma tese de que o ideal seria deixar 2 perguntas sem resposta em cada grupo, o que lhe permitiria ser aprovado com 17 acertos. Isso é uma meia verdade, quase uma mentira. Primeiro, não há como pressupor que você vai deixar em branco exatamente aquelas 2 questões que você responderia errado. Segundo, se você já sabe que irá deixar de responder duas questões, você tem que fazer 17 acertos em 28 e não em 30. Pois bem, 17 em 28 significa 60,7% da prova, enquanto 18 em 30 significa 60% da prova. Assim, não se pode assumir como regra que deixar duas questões em branco em cada grupo é um benefício.

Quanto à nota de corte: todos sabem que serão aprovados aqueles alunos que fizerem o mínimo em cada grupo e estiverem entre os 200 mais bem classificados. Tivemos uma prova, de modo geral, mais fácil que as anteriores (considerado o padrão MPF, o que não significa que a prova foi fácil em si), até porque a maioria dos examinadores já estava bem mapeada, dada a participação em exames anteriores. Acho que há possibilidades de anulação das tais 3 questões repetidas de concurso anterior, bem como possibilidades (um pouco mais remotas, mas existentes), de anulação da questão relativa à Convenção de Montego Bay. Considerando isso, é muito provável que a nota de corte não vá ficar no mínimo.

No 26º concurso, a média mínima nos 4 grupos foi de 60,83% da prova, o que significa, salvo se eu tiver feito conta errada, o corte ficou em 73 pontos ou, para quem respondeu tudo, 82 acertos, em 120. Vejam que isso representa 68,3% de acertos na prova, o que é muito, se você considera que o mínimo seria de 72 acertos, para fazer 50% em cada grupo, desde que, contando com a sorte, os erros estivessem bem distribuídos. Já estávamos, no 26º concurso, 10 acertos acima do mínimo para se chegar à segunda etapa.

Isso demonstra como a prova do MPF se dificultou. Fazer 68,3% em uma prova desse nível não é fácil. Mas, infelizmente para quem está estudando, esse crescimento das notas de corte tem sido verificado em praticamente todos os concursos.

Em síntese, depois de tudo isso, a pergunta que não quer calar: quanto será a nota de corte? Considerando todos os dados e supondo, a título de boa-fé, que o ranking do correio web seja verdadeiro, podemos supor que a nota de corte: 1) não será inferior a 73 pontos; 2) dificilmente será superior a 77 pontos, uma vez que isso significaria 85 acertos para quem respondeu a prova toda, ou 70,8% de acertos (lembrando que esse número de acertos não considera a distribuição dos erros em cada grupo). Há apenas 47 pessoas no ranking com essa nota e, considerando que todos os que ficarem com a nota mínima se classificam, acho que essa pode ser uma nota considerada como garantida. A situação fronteiriça é a das pessoas que estão entre 73 e 76 pontos. O mais provável, na minha opinião, é que a nota fique entre essas 4 posições: 73, 74, 75 ou 76, pendendo mais para cima ou mais para baixo conforme a banca anule mais ou menos questões.

Enfim, meus caros, a sorte está lançada. Agora não adianta se desesperar. Esqueçam o MPF por um tempo e continuem se preparando para outras provas que estão por aí. Ficar sofrendo agora não adianta. Boa sorte a todos!

terça-feira, 20 de agosto de 2013

27º Concurso do MPF: primeira impressões

Enfim, a primeira etapa passou e o gabarito saiu. Já escrevi anteriormente sobre como lidar com esse momento (ver o post como aproveitar bem uma reprovação). Para quem fez os mínimos ou está com chances, em razão das anulações, a notícia é boa. Nos três últimos concursos, quem fez os mínimos foi para a segunda etapa. Também tivemos a informação oficial de que houve 27,27% de abstenções na prova (um número bastante alto), sendo que 4.964 candidatos efetivamente fizeram a prova. É claro que, se considerarmos 70 aprovados, média dos concursos anteriores, ainda estamos falando de 71 candidatos por vaga. 

Em relação à prova, várias pessoas escreveram dizendo que acertei em várias previsões. Transcrevo de um leitor: "Simplesmente infalíveis suas dicas para a 1ª fase do MPF. Realmente me ajudaram muito".

Vou começar meus comentários pelo Constitucional. Nessa matéria, penso que, de fato, acertei nas previsões. A prova começou com 3 questões de entendimento do STF e depois partiu para os direitos fundamentais. Vou comentar especificamente a questão 6, relativa aos direitos indígenas: 

6. ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
a) ( ) o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a intimação de indígenas para prestar depoimento,na condição de testemunha, fora de suas terras, constrange a sua liberdade de locomoção, por força
de dispositivo constitucional que veda a remoção dos grupos indígenas de suas terras;
b) ( ) a Constituição de 1988 é, a um só tempo, antropocêntrica, antiutilitarista e plural, o que possibilita ao Poder Público, no processo de tomada de decisões, o acolhimento de razões religiosas ou metafísicas;
c) ( ) para o Supremo Tribunal Federal, as políticas de inclusão englobam não só redistribuição de recursos, mas também reconhecimento das diferenças, na perspectiva de uma sociedade plural;
d) ( ) o pluralismo cultural, aos menos no plano normativo interno, demanda a intervenção do Estado no sentido de garantir a sobrevivência de específicas concepções de vida boa.

Não era preciso estudar muito para responder a essa questão por eliminação. É evidente que o poder público não pode tomar decisões baseadas em razões religiosas ou metafísicas. Em relação à assertiva A, relacionada aos índios, o precedente é o seguinte: 


"CPI: intimação de indígena para prestar depoimento na condição de testemunha, fora do seu habitat: violação às normas constitucionais que conferem proteção específica aos povos indígenas (CF, arts. 215, 216 e 231). A convocação de um índio para prestar depoimento em local diverso de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção, na medida em que é vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo exceções nela previstas (CF/1988, art. 231, § 5º). A tutela constitucional do grupo indígena, que visa a proteger, além da posse e usufruto das terras originariamente dos índios, a respectiva identidade cultural, se estende ao indivíduo que o compõe, quanto à remoção de suas terras, que é sempre ato de opção, de vontade própria, não podendo se apresentar como imposição, salvo hipóteses excepcionais. Ademais, o depoimento do índio, que não incorporou ou compreende as práticas e modos de existência comuns ao ‘homem branco’ pode ocasionar o cometimento pelo silvícola de ato ilícito, passível de comprometimento do seustatus libertatis. Donde a necessidade de adoção de cautelas tendentes a assegurar que não haja agressão aos seus usos, costumes e tradições." (HC 80.240, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-6-2001, Segunda Turma, DJ de 14-10-2005.)

A questão 9 também continha uma alternativa sobre direito indígena, que quem leu meu livro não teve dificuldades em considerar verdadeira:  


d) ( ) o tratamento constitucional da atualidade no que se refere à questão indígena tem como seu pressuposto central o pluralismo.



É claro que não é uma prova fácil, como nenhuma prova do MPF é, mas para quem estava se preparando, não foi das piores. Talvez a maior dificuldade tenha sido o excessivo foco na jurisprudência do STF e menos na teoria, como foram as anteriores. E não foi jurisprudência copiada de informativos, mas entendimentos que demandavam um conhecimento mais consolidado das decisões, que permitisse ao candidato extrair conclusões delas, e não apenas decorar seu teor. Um bom exemplo disso me parece estar em uma assertiva da questão 8: "é possível, para a resolução de antinomias entre normas constitucionais, interpretação que conduza à criação de uma terceira norma, que incorpore elementos daquelas que entraram em conflito". Até onde sei, essa conclusão é passível de ser extraída das decisões do STF, mas desconheço decisão em que conste expressamente essa possibilidade analisada. Essa é a diferença entre a prova do MPF e outras provas. Não adianta decorar o resultado do julgamento. Tem que pensar a partir dele.  

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Estatuto do Índio, 2ª Edição: maior, melhor e sem cortes!

Meus amigos, tenho o prazer de anunciar o lançamento da segunda edição do meu livro Estatuto do Índio, pela Juspodivm. A primeira edição se esgotou com pouco mais de um ano, o que me deixou muito feliz, não só pelas boas críticas que a obra recebeu, mas pelo interesse que despertou em inúmeras pessoas que antes pouco tinham considerado a questão. Várias entidades e movimentos sociais também elogiaram o livro, o que mostrou que ele de fato deu conta dos problemas reais que as comunidades indígenas vivem no Brasil. 

Devo apenas pedir desculpas aos candidatos do 27º Concurso do MPF, uma vez que o livro não saiu a tempo da primeira etapa. Não pude fazer nada quanto a isso, pois o atraso foi da editora. 

Sobre o livro, propriamente, devo dizer que eu mesmo me surpreendi com a quantidade de ampliações, correções e atualizações que me senti obrigado a fazer. Só para começar, o novo livro tem 70 páginas a mais que o anterior. Tive o cuidado de ampliar bastante os comentários relativos aos índios no contexto de outras minorias, de modo que o leitor tem agora um guia mais seguro para se iniciar na matéria. 

Também introduzi comentários a todas as (várias!) questões relativas a direitos indígenas que foram cobradas nas provas do 25º e 26º concursos do MPF. Há, infelizmente, muitas pessoas que não são procuradores da república hoje porque não dominavam suficientemente o conhecimento relativo a essa matéria. Para quem estuda, as questões não foram, em si, difíceis. Mas, sem ter nenhuma noção, foram impossíveis. 

Outra mudança foi mesmo o aprofundamento de algumas discussões que já estavam presentes, como a penetração da Convenção 169 da OIT no Brasil e os problemas da relatividade cultural. Em síntese, quem colocar as duas edições lado a lado verá a profundidade das alterações. O livro está, para mim, irreconhecível, para melhor. 

O link para o sumário (o qual também foi muito melhorado) está abaixo. Espero que gostem: 

Link para o livro:


Link para o sumário: 




quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Resolução das questões do 27º concurso


No próximo ano será lançado, pela editora Juspodivm, novo livro com questões comentadas dos últimos concursos para Procurador da República. O livro está sendo elaborado por quatro Procuradores aprovados no 26º Concurso (Marcelo Malheiros, Lucas Gualtieri, Flávio Matias e Roberto Vieira), contendo dicas inéditas sobre como se preparar para o concurso do MPF.

Tendo vivenciado a ansiedade que antecede a divulgação do gabarito preliminar pela banca examinadora, os autores se dispuseram a elaborar, resumidamente, algumas respostas para as questões da prova objetiva do 27º Concurso. Seguem, abaixo, quatro questões resolvidas item por item, escolhidas dentre aquelas que suscitaram maiores polêmicas entre os candidatos. Os autores se comprometeram a resolver mais algumas questões e publicar as respectivas respostas. Para tanto, solicitaram que fossem sugeridas pelos leitores do blog pelo menos mais quatro questões controvertidas (serão escolhidas uma de cada grupo).

Quem quiser discutir com os autores diretamente essas e outras questões, pode mandar um e-mail para questoescomentadas@hotmail.com.

Nos próximos dias, ainda postarei por aqui mais algumas questões comentadas pelos colegas procuradores.

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5. Dentre os enunciados abaixo, estão corretos:

I – o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais não significa, necessariamente, a existência de direitos subjetivos que a acompanham, ou mesmo a admissão de que eles sejam justiciáveis;

II – o interesse público secundário desfruta de supremacia a priori e abstrata em face de interesse particular, não se sujeitando, portanto, a ponderação, em caso de colisão entre ambos;

III – a questão das capacidades institucionais foi considerada pelo STF no julgamento envolvendo a constitucionalidade das pesquisas de células-tronco embrionárias, quando aquela Corte recusou decidir a respeito da superioridade de uma corrente científica sobre as demais;

IV – nas relações especiais de sujeição, se a instituição na qual elas se inserem está constitucionalmente legitimada, esse dado é suficiente para justificar o estabelecimento de restrições aos direitos fundamentais dos envolvidos.

a) ( ) I e III;
b) ( ) I, III e IV;
c) ( ) II, III e IV;
d) ( ) III e IV.


Item I: CORRETO. Desde o “caso Lüth”, julgado pela Corte Constitucional alemã, doutrina e jurisprudência têm reconhecido aos direitos fundamentais uma eficácia objetiva, o que significa que estes direitos “constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos”. Como efeitos desta eficácia objetiva, aponta-se eficácia irradiante dos direitos fundamentais, sua vinculação em relação aos particulares e a imposição de deveres estatais de proteção. Tal não implica, todavia, admissão de direitos subjetivos correlatos, tampouco a exigibilidade de tais direitos (justiciabilidade). Estas são características decorrentes da noção subjetiva dos direitos fundamentais, que os vislumbram como direitos subjetivos, que atribuem ao seu titular a possibilidade de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora de referidos direitos.

Item II: INCORRETO. O interesse público pode ser fracionado em primário e secundário. Primário é o interesse público que se refere ao atingimento das finalidades próprias do Estado, relacionadas ao bem comum e ao interesse da coletividade. O interesse público secundário, por sua vez, refere-se ao interesse patrimonial do Estado.

Na eventualidade de ambos se acharem em rota de colisão, todavia, não se deve atribuir a um deles supremacia prima facie, já que, por vezes, o atendimento ao interesse individual contemplará, em melhor medida, o atendimento ao interesse público primário, em detrimento do interesse patrimonial do Estado. A imposição, ao Estado, do fornecimento de medicamentos, é exemplo típico desse dilema, que se resolve, sempre, com arrimo nos dados do caso concreto, e nunca a priori, como sugerido pelo item sob análise. Nesse sentido, assentou o min. Celso de Mello, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175 (AgR na STA):

Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

Item III: CORRETO. A questão das “capacidades institucionais” se refere às considerações sobre o exercício de discricionariedade judicial, relativamente às possibilidades e limitações de uma dada instituição jurídica para resolver os problemas que lhe são postos.

Tendo em mente este conceito, é certo dizer que o STF reconheceu não lhe competir se posicionar em relação à prevalência de uma teoria científica sobre outra, relativamente às pesquisas científicas que se contrapuseram quando do julgamento da ADI 3510 (“Lei de Biossegurança”). Naquela assentada, decidiu-se:

Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares. […].

Item IV: INCORRETO. As relações especiais de sujeição e caracterizam por situações jurídicas nas quais o indivíduo, por peculiaridades próprias de sua pessoa ou do contexto em que inserido, se encontra submetido a autoridade de outrem (notadamente do Estado), o que lhe impõe um regime diferenciado quanto ao gozo dos direitos fundamentais. Sobre o tema, a Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADPF 181, que questionava o art. 51, §3º da Lei 6.880/80, por exigir o esgotamento das instâncias administrativas para acesso ao Judiciário, pelos servidores militares. Constou da petição inicial daquela ação:

A situação dos militares é exemplo típico de relação especial de sujeição, que não importa em renúncia a direitos fundamentais, mas pode implicar na admissibilidade de restrições proporcionais a eles. É certo, porém, que tais restrições devem ser estritamente vinculadas às necessidades destas instituições, além de não poderem invadir o núcleo essencial do direito fundamental afetado”.

Logo, não basta a legitimidade de certa instituição para operar limitações aos direitos fundamentais dos indivíduos a elas submetidas por relações especiais de sujeição. Deve-se observar a proporcionalidade da medida, bem como a preservação do núcleo essencial do direito restringido.

Diante disso, estando certos apenas os itens I e III, a assertiva correta é a letra 'a'.

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58. A IBER-REDE OU REDE IBERO-AMERICANA DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

a) ( ) é uma organização internacional típica, com seus órgãos convencionais congregando 22 países ibero-americanos na cooperação em matéria civil e penal;

b) ( ) é uma ferramenta de cooperação informal em matéria penal apenas, não vinculando os Estados, cujos órgãos a compõem, a quaisquer obrigações que possam acarretar sua responsabilidade internacional;

c) ( ) é uma ferramenta de cooperação informal em matéria civil e penal, não vinculando os Estados, cujos órgãos a compõem, a quaisquer obrigações que possam acarretar sua responsabilidade internacional;

d) ( ) é uma organização regional atípica, congregando 22 países ibero-americanos na cooperação formal em matéria penal apenas.

A questão aborda a natureza da Rede Ibero-Americana de Cooperação Jurídica, também denominada IberRede e o seu objetivo. Ao lado da Rede Judiciária da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Rede Hemisférica de Intercâmbio de Informações para o Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal e de Extradição, a IberRede é um importante centro de cooperação jurídica entre autoridades ibero-americanas que atuam na cooperação jurídica internacional.

Integram a IberRede os representantes dos Ministérios da Justiça, dos Ministérios Públicos e do Judiciário de 22 países, somando-se a estes o Tribunal Supremo de Porto Rico, totalizando portanto 23 países participantes.

O Regulamento prevê que a IberRede é um meio informal de consulta entre as autoridades acima designadas, uma verdadeira cooperação administrativa entre os órgãos de modo a facilitar o trânsito de informações em matéria penal e civil. Nota-se que (i) não há qualquer tratado entre o países, mas sim meros acordos e consentimentos pelos órgãos nacionais de cada país, (ii) e os entes integrantes sequer possuem competência negocial para celebrar acordos internacionais segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

A rápida apresentação já permite concluir que as assertivas "a" e "d" estão incorretas. A IberRede não é uma organização regional, mas mero meio informal de cooperação. Ainda que de menor monta e insuficiente para tornar isoladamente a questão incorreta, outro equívoco da assertiva está no número de países participantes. O correto é a indicação de 23 países, como consta na própria página do Ministério Público Federal (http://ascji.pgr.mpf.mp.br/atuacao-da-ccji/redes-de-cooperacao-juridica-1/rede-ibero-americana-de-cooperacao-judicial-iberred/ Acesso em 06/08/2013)

A assertiva "b" está falsa. A Rede não abrange apenas a matéria penal, mas também a civil como definido no próprio Regulamento.

A assertiva "c" é a única correta. Este meio de cooperação é informal e não vincula os Estados, motivo pelo qual os atos ali praticados não atraem a responsabilidade internacional estatal.

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86. Em se tratando de medida cautelar, é correto afirmar que:

a) ( ) Ajuizada ação cautelar, com vistas à atribuição de efeito suspensivo a recurso desprovido de tal eficácia, o julgamento do recurso inviabiliza o processamento do pedido ali veiculado, salvo se a decisão ainda não transitou em julgado.

b) ( ) Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória, entendimento aplicável, pelos mesmos fundamentos, em medida incidental no curso de ação ordinária, para afastar a cominação de multa visando forçar a parte a exibi-los.

c) ( ) Para atribuir efeito suspensivo a recurso especial, cujo juízo de admissibilidade ainda não foi exercido pelo Tribunal de origem, a medida cabível é a cautelar junto ao Superior Tribunal de Justiça.

d) ( ) São devidos honorários advocatícios ao advogado da parte requerente, mesmo que não tenha havido resistência da parte requerida ao pedido que foi deduzido na medida cautelar.

Alternativa “a”: errada. Toda ação cautelar é acessória a um processo de conhecimento ou de execução. O mesmo ocorre quando o objetivo da ação cautelar é conferir efeito suspensivo a determinado recurso, de modo que o julgamento do recurso torna prejudicada a ação cautelar, independentemente de trânsito em julgado dessa decisão. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO DO RECURSO. PERDA DE OBJETO DA CAUTELAR. 1. Ajuizada a ação cautelar com o fim de ser atribuído efeito suspensivo a recurso especial, o julgamento do recurso inviabiliza o processamento do pedido naquela medida veiculado, mesmo que se trate de decisão ainda não transitada em julgado. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento”. (STJ, EDcl na MC 12.800⁄RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 22⁄03⁄2011, DJe 01⁄04⁄2011, grifos lançados)

Alternativa “b”: correta, conforme entendimento do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO AGRAVADO. CÓPIAS DE PROCURAÇÃO E SUBSTABELECIMENTO NÃO AUTENTICADAS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE DOCUMENTO. MULTA. DESCABIMENTO. [...] 2.- Segundo a jurisprudência consolidada do STJ, na ação de exibição de documentos não cabe a aplicação de multa cominatória (Súmula 372). Este entendimento aplica-se, pelos mesmos fundamentos, para afastar a cominação de multa diária para forçar a parte a exibir documentos em medida incidental no curso de ação ordinária. Nesta, ao contrário do que sucede na ação cautelar, cabe a presunção ficta de veracidade dos fatos que a parte adversária pretendia comprovar com o documento (CPC, art. 359), cujas consequências serão avaliadas pelo juízo em conjunto com as demais provas constantes dos autos, sem prejuízo da possibilidade de busca e apreensão, nos casos em que a presunção ficta do art. 359 não for suficiente, ao prudente critério judicial. (EDcl no AgRg no REsp 1092289/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 25/05/2011). 3.- Agravo Regimental improvido”. (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1319919/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 18/06/2013, grifos lançados)

Alternativa “c”: errada. A despeito do contido no art. 800, p. u., do CPC, tanto o STF quanto o STJ firmaram o entendimento de que a medida cautelar para atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou especial deve ser proposta no tribunal de origem, quando este ainda não houver efetuado o juízo de admissibilidade. No STF, v. Súmulas 634 e 635. No STJ, v. AgRg na MC 20.991/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013; AgRg na MC 18.809/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 10/06/2013.

Alternativa “d”: errada, conforme entendimento do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA DA REQUERIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte é uníssona em afirmar que não são devidos honorários advocatícios na hipótese em que não há resistência da parte requerida ao pedido deduzido na medida cautelar. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no REsp 1180981/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 21/05/2013, grifos lançados).


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97. APESAR DA DENOMINAÇÃO “CONCURSO DE CRIMES”, O LEGISLADOR TRATA DESTA MATÉRIA NA PARTE PERTINENTE A APLICAÇÃO DA PENA DESSE MODO, OS ARTS. 69 A 76, DO CÓDIGO PENAL, DISCIPLINAM A APLICAÇÃO OU A EXECUÇÃO DA SANÇÃO PENAL RELATIVAMENTE AOS INSTITUTOS DO CONCURSO MATERIAL, CONCURSO FORMAL, CRIME CONTINUADO, ERRO NA EXECUÇÃO, RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO, LIMITE MÁXIMO E UNIFICAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO DE PENA. SENDO ASSIM, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:

a) ( ) No concurso formal, homogêneo ou heterogêneo, há unidade de conduta e pluralidade de resultados. O concurso formal divide-se em perfeito ou próprio e imperfeito e impróprio. Em quaisquer dos casos, aplica-se, sempre, a mais grave das penas ou, se iguais, somente uma delas, aumentada de um sexto até metade.

b) ( ) No crime continuado, homogêneo ou heterogêneo, há pluralidade de condutas e pluralidade de resultados, praticados nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, o que faz com que os crimes subsequentes sejam havidos como continuação do primeiro, aplicando-se, assim, a pena de um só dos crimes, se iguais, ou a mais grave, se diversos, aumentada de um sexto a dois terços.

c) ( ) No erro na execução ou aberratio ictus, com unidade simples, o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, atinge pessoa diversa daquela que pretendia ofender. A rigor, cuida-se de concurso formal entre um crime tentado ou consumado, de um lado, e um crime culposo, do outro. No entanto, o Código determina que só seja aplicada a pena referente ao primeiro crime, considerando-se, porém, as condições ou qualidades da pessoa que pretendia atingir.

d) ( ) Em atenção ao princípio constitucional da vedação de pena de caráter perpétuo, o Código Penal determina que o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. Na hipótese de condenações cuja soma seja superior a trinta anos, devem ser elas unificadas para atender àquele limite máximo, sendo tal unificação válida para a concessão de benefícios, como livramento condicional ou progressão de regime.

O item “a” está incorreto porque, embora no concurso formal perfeito ou próprio – que ocorre quando o agente age de forma dolosa quanto ao resultado pretendido, mas culposamente em relação ao resultado aberrante, ou de forma culposa em face de ambos os resultados – a aplicação da pena em regra ocorra pelo aumento da pena em um sexto a um terço (exasperação), no concurso formal imperfeito ou impróprio – que é aquele em que o agente atua com desígnios autônomos, desejando dolosamente a produção de todos os resultados – a última parte do art. 70, caput, do Código Penal, determina a soma das penas (cúmulo material).

O item “b” está incorreto, pois a classificação entre homogêneo e heterogêneo diz respeito ao concurso formal e material de crimes, e não ao crime continuado. Nos concursos formal e material homogêneos, o delito cometido é o mesmo. Nos concursos formal e material heterogêneos, os crimes praticados estão previstos em tipos distintos.

O item “c” é o correto. Na aberratio ictus com unidade simples o agente somente atinge pessoa diversa da pretendida, em razão de erro na execução do delito. Como dito na alternativa, no caso realmente se terá um crime tentado, em face da pessoa contra a qual se voltou a ação criminosa e que ficou incólume em virtude do erro, e um crime culposo em relação a quem foi atingido pela conduta do agente. No entanto, o art. 73 do CP considera o crime doloso como praticado contra a vítima virtual (que se pretendia ofender), ficando a tentativa subsumida.

O item “d”, por fim, também está incorreto. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 715, segundo a qual “a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

27º Concurso do MPF: reta final finalíssima

Meus amigos, chegou a hora. Mais 3 dias de estudos para a primeira etapa. Como vocês devem ter visto tivemos uma inversão dos examinadores: Ela passou para o processo penal e Arthur Gueiros para o penal. Sinceramente, não acredito que isso altere muito o perfil das provas. Mas, de todo modo, Arthur tem um curso de direito penal, no qual eu acredito que valha à pena passar os olhos nesses últimos dias.

Como acredito que a prova tenha o mesmo perfil, valem as mesmas dicas anteriores: para penal, temas relacionados aos crime de competência da justiça federal, questões de parte geral e jurisprudência atual do STF. Lembrem-se que Arthur atua perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), de modo que pode haver alguma questão relacionada a polêmicas que vem sendo debatidas pelo tribunal.

Quanto a Ela, aposto em uma prova de processo penal, fora as questões esperadas (denúncia, investigação etc.), focada na questão das prisões cautelares.

Faço questão de ressaltar aqui essas duas matérias para a reta final por uma única razão: acho que, mais uma vez, o grupo 4 será o fiel da balança na prova. Então, salvo se você tem facilidade em direito penal e processo penal, minha recomendação é utilizar esses últimos dias para focar nessas duas matérias, especialmente em questões mais recentes e no livro do Arthur.

Quanto ao Sanseverino, examinador de eleitoral, creio não estar dizendo nenhuma novidade quando afirmo que é interessante ler o livro de eleitoral de sua autoria, publicado pela editora Verbo Jurídico. Quem não teve oportunidade de ler até agora, tem 3 dias para correr os olhos. Embora o livro seja um pouco grande, esse tempo é suficiente para ler pelo menos os pontos principais. Muita gente gostou da entrada do Sanseverino na banca, porque já estudava pelo livro dele, que está na 4ª. edição.  

Lembrem-se: os portões dos locais de provas serão fechados às 8h30min. Então chegue ao local de provas com antecedência e entre logo. Sempre tem gente que perde a prova do MPF batendo papo na porta.

É bom recordar também que são 120 questões, então é preciso ficar de olho no tempo. Não se perca muito no começo, senão terá que correr no final. E como são necessárias 4 questões erradas para anular 1 certa, em regra não vale a pena deixar questão sem resposta, salvo se você não tiver mesmo a mínima noção da resposta.

Meus amigos, muito boa sorte. Espero que tenham tido a oportunidade de estudar bastante. O 27º Concurso é uma oportunidade ímpar de ingressar no MPF, em razão de ser uma prova cuja maioria dos examinadores já figurava nos 2, 3, 4 ou mais concursos anteriores. É uma prova relativamente mapeada, que não deve apresentar surpresas, pelo menos de estilo, para quem fez as provas do 25 e do 26, seja lá no local de provas ou no conforto de seu lar.

Torço muito por todos vocês.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Um milhão de acessos

Meus amigos leitores, escrevo hoje apenas para comemorar e agradecer. O blog ultrapassou, nesta semana, um milhão de visitantes. Sei que esse é o número de visitas que um vídeo do “Porta dos Fundos” recebe de um dia para o outro. Mas, ainda assim, considero uma grande vitória.

Em primeiro lugar, sei que escrevo para um público muito mais restrito que aqueles que se interessam (como eu mesmo) pelas situações protagonizadas pelo “gorilão da bola azul”.

Segundo, o blog não tem nenhum anunciante e nenhuma finalidade lucrativa. Nunca recebi um centavo pelo blog, nesses quase cinco anos de existência. É claro que divulgo aqui meus livros e meus cursos para prova oral mas, a partir de todos os e-mails que recebi, acredito poder concluir que as pessoas que compram meus livros ou que participaram de meus cursos o fizeram em razão da qualidade dos mesmos e não em decorrência da publicidade “desmazelada e amadora”, como diz um amigo publicitário, que faço deles aqui.

Terceiro, e mais importante, eu nunca me propus a escrever um blog tipo Ana Maria Braga, que a pessoa acesse todo dia para ter uma “dica do dia” para passar em concurso. Levo o tempo de meus leitores muito a sério para fazer isso. Quando acho que tenho alguma coisa boa a dizer, digo e, em geral, digo tudo de uma vez, em posts gigantescos, como vocês já devem estar acostumados. Quando não tenho, simplesmente fico calado.

Quarto, o blog é uma das cinco ou seis atividades que desempenho simultaneamente, o que não deixa a ele o tempo necessário para desenvolvê-lo tão bem como eu gostaria. Mas, quero dizer a vocês que é uma das minhas atividades mais prazerosas. Hoje tenho a alegria de ter colegas de carreira no MPF e colegas de trabalho forense (juízes federais, advogados da União, PFNs) que foram antes meus leitores e agora ocupam os cargos que um dia sonharam. Me faz muito feliz quem me escreve um e-mail ou encontra comigo nessas situações profissionais e agradece pela ajuda. É gratificante saber que contribuí, ainda que minimamente, para que alguém alcançasse seus objetivos. Sinto-me, com isso, pagando uma parte da dívida que tenho com Deus pelas boas condições de estudo que minha família me proporcionou, pela capacidade intelectual que pude desenvolver e pela habilidade de ser didático o bastante para transmitir a outros a experiência que adquiri nessa batalha. O blog só me trouxe alegrias.

Quero agradecer a minha esposa Fabiana, idealizadora e webmaster do blog e a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para sua divulgação, de modo especial, Tânia Faga, do site Jurisprudência e Concursos, Rogério Neiva, Ubirajara Casado, Carlos Pavan e meus colegas de MPF e blogueiros Vladimir Aras e Bruno Barros.

Mas quero agradecer principalmente a cada um de vocês, leitores. Espero que tudo o que escrevo aqui, sempre com a maior sinceridade e no intuito de contribuir para o avanço de vocês nesse doloroso caminho, retribua adequadamente o carinho que vocês me devotam ao dedicar uma parte do dia à leitura do que escrevo.

Muito obrigado!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A bíblia dos três anos de atividade jurídica: o guia completo sobre o que pode e o que não pode ser considerado como atividade jurídica em concursos da Magistratura e Ministério Público

****Texto atualizado em outubro de 2014****

Não paro de receber dúvidas por e-mail sobre a questão dos três anos de atividade jurídica. Acho que virei algum tipo de guru online (lembram do Walter Mercado, ligue djá!) sobre esse assunto. Então vou tentar fazer um post definitivo, que sane todas as 71 dúvidas selecionadas que recebi (são mais de 71 no total). Para começar, precisamos estabelecer algumas premissas:

Primeira premissa: tudo o que eu disser que vale ou não vale não significa que você está condenado a ser reprovado. Significa que há chance de questionamento e, se possível, você deve fazer algo para evitar isso. A palavra de ordem aqui é risco. O risco pode ser maior ou menor. Se não tiver jeito, paciência. Toque a vida e, caso seja recusado, questione judicialmente. Muitas pessoas conseguiram e a jurisprudência tem sido razoavelmente condescendente com os candidatos em situações limite.
Apesar disso não ser ciência exata, o pessoal exagera. Encontrei um artigo de fevereiro de 2013 no COJUR sobre o tema, no qual o autor se utiliza da Resolução 11/06 do CNJ, a qual o próprio CNJ considera revogada desde 2009 (http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/12126-resolu-no-11-de-31-de-janeiro-de-2006). 

Segunda premissa: os critérios utilizados pelos concursos variam muito. Alguns são mais rigorosos, outros mais brandos. O TJSP, por exemplo, aceita quase tudo. O MPF costuma ser mais resistente. É preciso ter consciência de que duas pessoas em situação idêntica podem ter resultados diferentes em concursos diferentes.

Terceira premissa: se você não tem três anos de colação de grau do curso de Direito, então você não tem três anos de efetivo exercício. Ponto final. Em hipótese alguma. Esse requisito é inafastável. Tudo o que for comprovado tem que ser após a colação de grau. Além disso, não adianta fazer mestrado, doutorado, advogar e ser conciliador judicial, tudo ao mesmo tempo e achar que pode completar três anos em um. Os três anos se completam na data do aniversário de sua colação de grau. Então, se colou em 31/05/2010, completará 3 anos em 31/05/2013 e não, por exemplo, em 31/12/2012, como pensam algumas pessoas (ano 2010, ano 2011, ano 2012).

Uma leitora informa que uma determinada escola da magistratura estaria oferecendo um curso preparatório que incluiria 192 horas de prática de conciliação, e informando que isso seria suficiente para obter os três anos de prática jurídica em apenas um ano. Essa informação é falsa. Não acreditem nesse tipo de promessa.

Estabelecidas essas premissas, vamos aos casos.

A resolução que regulamenta os três anos para concursos da magistratura é a 75 doCNJ. No Ministério Público, é a Resolução 40/09, do CNMP. A leitura das resoluções é muito informativa e recomendada para quem tem dúvidas.

Advocacia: segundo o CNJ, é preciso praticar “5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas”. Ou seja, é preciso tocar 5 processos, fazendo neles alguma petição relevante (apensos que tenham número diferente, como é o caso de impugnação ao valor da causa, são processos diferentes). Existe dúvida sobre a elaboração de dois atos relevantes diferentes no mesmo processo. Pela literalidade da resolução, isso seria um processo só, então contaria só uma vez. Quanto mais você se aproximar dos termos da resolução, menor o seu risco. 

Acredito também que processos do juizado especial podem ser contados, mesmo em causas cuja atuação do advogado não seja obrigatória (menos de 20 salários). Nunca vi alguém ter problemas em razão disso. Não há necessidade de que o efetivo exercício ocorra em anos consecutivos, ou mesmo nos últimos três anos.

Um problema é quem trabalha em escritórios e não assina as petições que faz. O ideal seria negociar com o chefe para assinar pelo menos as 5 anuais. Se isso não for possível, dá para tentar apresentar um contrato de trabalho, a carteira assinada como advogado ou as cópias dos holerites de pagamento, mas aí a coisa se complica muito. Também acho possível apresentar, a título de complementação, se necessário, uma certidão do dono do escritório. Mas tudo isso são escoras. A exigência é de elaboração das 5 petições em 5 casos diferentes. Qualquer petição mais substancial (inicial, recursos, contestação, participação em audiência como advogado de uma das partes, sustentação oral em tribunal com seu nome constando no acórdão) pode ser contada. Não precisa ser apenas a inicial e pode ser jurisdição contenciosa ou voluntária. Só não vale petição de juntada, desarquivamento, substabelecimento e essas bobeiras. Também não adianta só ter o nome no substabelecimento. É preciso subscrever a petição. Desde que você assine, é irrelevante quantos advogados assinaram a petição com você. 

Como, em regra, no nosso sistema jurídico, os processos não duram apenas um ano, é possível dar uma manipulada nisso. Por exemplo, se um processo começou em 2010, mas você praticou um ato em 2012, pode contá-lo em 2012 e não em 2010, se isso for melhor para você. O importante é que, ao final, você tenha 5 atos em 5 casos diferentes em cada ano. Seria possível, em tese, contar atos diferentes, praticados no mesmo processo, mas em anos diferentes, já que a Resolução não exige que os processos de um ano sejam diferentes dos do outro. Mas aí já é um risco a mais.

É irrelevante, para fins de contagem do tempo, a prática de mais de 5 atos por ano. Isso não muda nada a contagem. Praticar 15 atos em um ano não transforma um ano em três anos. Contudo, se você tiver atuado em mais de 5 casos, apresente tudo o que fez ou uma parte considerável. Acho importante, para quem de fato advoga, mostrar que exerce a atividade e não apenas cumpre a exigência.

Outra questão: se você colou grau em janeiro de 2011, fez 5 petições em 2011, 5 em 2012 e 5 em 2013, seus três anos só se completarão em janeiro de 2014, no aniversário de sua colação de grau (terceira premissa). Não é possível fazer as cinco petições de 2013 em janeiro e pretender contar o ano de 2013 inteiro antecipadamente.

Modo de contagem do prazo: ninguém sabe muito bem. A princípio, o STF disse, em obter dictum, que era preciso se atentar para o “peculiar exercício forense”, sem nunca ter especificado muito bem o que é isso. Também há decisão no sentido de que o candidato não pode ser prejudicado pela demora na expedição da carteira da OAB. O problema é que essas decisões são muito casuísticas no STF e é difícil estendê-las para outros casos. Essa questão do peculiar exercício forense, por exemplo, já foi negada a várias pessoas que procuraram invocá-la.

O MPF, no regulamento do 27º Concurso para Procurador da República, art. 45, trouxe uma disposição destinada a regular o modo de contagem desse prazo, da seguinte forma:

§ 10 – O exercício da advocacia, como atividade jurídica, terá como termo inicial a data constante no protocolo judicial ou a data do documento, quando se tratar de ato extrajudicial, podendo, em relação ao primeiro e ao último ano do exercício da advocacia, o período ser contado proporcionalmente (peça/mês), tendo em vista que a contagem se dará dentro do ano civil”.

O que o MPF quer dizer é que, se sua primeira petição é de abril de 2010, você computa apenas 9 meses de atividade em 2010. Se a última petição é de junho de 2013, computa apenas 6 meses em 2013. Pessoalmente, eu acho isso certo, pois equipara a contagem da advocacia à de quem é servidor público, que também só vai começar a contar da data da posse (quem toma posse em agosto só conta efetivo exercício a partir de agosto). Mas tenho certeza de que isso vai dar polêmica, caso algum aprovado caia nessa situação. De todo modo, é uma orientação para quem ainda está começando. Procure assinar sua primeira petição assim que possível. Não confie em contar desde a data em que a carteira da OAB foi expedida.

Exemplo: Ainda que não se use a contagem do MPF, o certo é que, para contar três anos de advocacia em 1º de junho de 2013, você precisa: 1) ter colado grau até 30 de maio de 2010; 2) ter praticado 5 atos em 2010, com os quais você garantirá o período de junho de 2010 até o final do ano; 3) 5 atos em 2011, para garantir o ano de 2011; 4) 5 em 2012, para computar o ano de 2012; 5) até aí, você só tem 2 anos e meio de atividade jurídica. Então, também precisará de  5 atos em 2013, para computar também o ano de 2013. Não existe fracionamento de número de petições para ano parcialmente exercido (por exemplo, fazer apenas 1 petição para contar 1 mês).

Acho muito perigoso tentar fazer o que uma leitora perguntou: começar a atuar em junho de 2011, fazer duas petições, depois fazer mais 3 no primeiro semestre de 2012 e contar um ano de junho de 2011 a junho de 2012. O mais provável é que isso não seja aceito. Se você não fizer cinco petições em um ano, perdeu o ano. Aquele período não servirá para nada.  

Ano parcial: não há problema em contar uma parte de um ano. Exemplo: alguém fez as cinco petições e 2010, mas cancelou a OAB em 1º de outubro por ter passado em concurso incompatível, esses 9 meses de atividade jurídica serão contados.

Modo de comprovação: é preciso juntar cópia das petições assinadas e protocolizadas. Não confie em juntar apenas procuração ou certidão da vara ou qualquer outro documento. Alguns editais aceitam a certidão da vara, mas ela deve fazer menção específica ao ato praticado e, dependendo da vara, vai dar algum trabalho conseguir isso.

Só por desencargo: é óbvio que, para assinar a petição, você tem que ter procuração ou substabelecimento para atuar em nome daquela pessoa. Nem pense em apenas colocar seu nome lá, junto com o advogado da parte, sem ser advogado constituído nos autos. Também não custa lembrar que outra pessoa assinar para você é crime e você pode vir a ter problemas sérios com isso. Eu já vi juiz oficiar ao Ministério Público (no caso, para mim) para apurar a diferença gritante entre as assinaturas do mesmo advogado no processo. Então, cuidado. Processo judicial não é lista de chamada da faculdade.

Comprovação de atos no processo eletrônico: o processo eletrônico traz algumas complicações a mais para a comprovação de atividade jurídica, considerando que as petições não são assinadas, nem protocolizadas da forma tradicional. Pior ainda, como cada tribunal tem o seu sistema, é difícil estabelecer uma regra geral para comprovação desses atos. Eu sugeriria fazer o seguinte: coloque o seu nome e a sua qualificação como advogado na petição, mesmo que ela vá ser efetivamente enviada com a assinatura digital de outro advogado que assina junto com você. É óbvio que como o processo é eletrônico, você não precisa assinar a petição fisicamente e escanear a sua assinatura. Basta que seu nome esteja digitado na petição. Assegure-se de que você está cadastrado no processo, de modo a aparecer o seu nome na página em que são exibidos os nomes das partes e dos advogados. Guarde uma cópia da petição e essa tela impressa. Esse é o mínimo que você pode fazer. Como o processo eletrônico é novo, o mais provável é que os tribunais tenham bom senso para avaliar essa comprovação. Se você tiver oportunidade e quiser reduzir os riscos, procure enviar pelo menos 5 petições por ano utilizando a sua própria senha ou assinatura digital. Há alguns tribunais, como o TRF 3, que enviam um e-mail comunicando a aceitação da petição. Se esse for o caso do tribunal no qual você atua, é interessante guardar esse e-mail.

Finalmente, se você ainda estiver inseguro, é sempre possível pedir uma certidão na secretaria da vara de que seu nome consta como advogado no processo e na petição respectiva. Mas, no país da burocracia, a facilidade para conseguir esse documento também vai variar muito.

Advocacia extrajudicial: não há problemas com a atividade de advogado no âmbito extrajudicial. Emitir pareceres, visar contratos sociais, estatutos de associações, divórcios e separações em cartório, tudo isso é atividade jurídica. O mesmo vale para a consultoria em empresa privada. Junte cópia dos atos praticados, devidamente assinados. Se você não assina atos privativos de advogado nessa atividade, a comprovação fica um pouco mais complicada. O ideal seria que sua carteira de trabalho fosse assinada como advogado ou, em caso de prestação de serviços, que houvesse contrato nesse sentido.  

Pós-graduação: A resolução 75/09 do CNJ, reitero, revogou a resolução 11/06, de modo que não há que se falar em recorrer a esta para sustentar um conceito mais amplo de atividade jurídica. Logo, aqui temos uma cisão: o MP aceita atividades de pós-graduação como efetivo exercício e a magistratura não. Nem mesmo o mestrado e doutorado! Para o MP, um ano para pós lato sensu, dois para mestrado e três para doutorado. O recente edital do 27º concurso do MPF, por exemplo, aceita as atividades de pós-graduação normalmente. Se a pós exigir monografia, ela deve ser entregue para poder contar.

Na magistratura, por outro lado, apenas os cursos de pós-graduação iniciados antes de 12 de maio de 2009 podem ser computados como efetivo exercício, em virtude de uma regra de transição que consta do art. 90 da Resolução 75/09 do CNJ.

Para os concursos que aceitam pós-graduação, não vejo óbice em fazer três pós lato sensu, em três anos consecutivos. Só acho que pega um pouco mal, para quem quer ser membro do MP, cumprir o requisito com três diplomas de pós do LFG ou do Damásio. Espere ser apertado na prova oral. Observe também que, se a pós foi iniciada antes da colação de grau, o período anterior à colação não conta.   

Cargo público privativo de bacharel em direito: conta a partir da data da posse. Não há como contar os meses do ano anteriores no mesmo ano. Quem toma posse em novembro, só terá 2 meses naquele ano.

Cargo público não privativo de bacharel em direito: Diz o CNJ:

A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento”.

Faça a certidão desse jeito, do modo mais minudente possível. Se fizer assim, descrevendo direitinho, acho que não tem problema. Há muitas pessoas perdendo o sono por confiar nessa certidão, mas acho que podem ficar tranquilos. Dificilmente a comissão vai questionar a certidão. Me parece que ela pode ser expedida pelo superior imediato. Não há necessidade de certidão do dirigente máximo do órgão ou do setor de RH. É o seu chefe imediato que pode certificar o que você efetivamente faz.

Não há um modelo dessa certidão, uma vez que ela depende da atividade que cada um exerce. O importante é que ela seja minuciosa e explique exatamente qual é a atividade desempenhada.

Cargos cuja advocacia é vedada: esse para mim é o maior problema. A pessoa exerce um cargo público que não é privativo de bacharel em direito, que não tem atividade jurídica preponderante, mas que é proibido de advogar. A única solução segura que vejo é a de exercer a função de conciliador judicial, de modo cumulativo com a profissão. Se não for assim, infelizmente, o remédio será prestar concurso para um cargo intermediário, que não exija a comprovação de atividade jurídica, para depois tentar galgar a Magistratura e o MP. Há, é claro, exceções. Segundo me disseram alguns alunos, o TJSP aceita a atividade policial como de efetivo exercício e, para os advogados, conta só o tempo de OAB, nem exigindo petições. Mas isso é uma peculiaridade que pode mudar ao sabor das mudanças de banca. O melhor, para diminuir o risco, é não contar com isso. 

Atividade militar ou policial: acho que quem é militar ou policial, em exercício na atividade fim, pode ter problemas em utilizar essa atividade como atividade jurídica, salvo em algum concurso menos exigente. O ideal seria exercer a atividade de conciliador judicial cumulativamente (v. abaixo) ou atuar na área-meio, como em assessorias jurídicas, corregedoria, escolas de formação ou outras atividades processuais mais diretamente relacionadas com o conhecimento jurídico. Para quem é oficial, entretanto, pode haver uma outra solução: alguns estados têm exigido curso de Direito para o ingresso nessa carreira e, seguindo o raciocínio relativo ao cargo de oficial de justiça (v. abaixo), me pareceria possível argumentar que o oficialato exigiria conhecimento jurídico em qualquer circunstância. 


Atividade fiscal: essa é, talvez, a situação mais polêmica. O exercício de atividade fiscal (Receita Federal, Receita Estadual, Fiscal do Trabalho, Fiscal de Posturas, Fiscal Ambiental etc.)  exige conhecimentos jurídicos, mas a carreira não é privativa de bacharel em direito, o que denota que a atividade não é preponderantemente jurídica. É um caso análogo ao dos policiais. Assim, se o candidato não desempenhar uma atividade que demande mais precipuamente o conhecimento jurídico, como o julgamento de recursos etc, acredito que possa haver problemas em computar a atividade fiscal como atividade jurídica. Apesar disso, o horizonte não é ruim. O CNJ, no julgamento do pedido de providências 1438 entendeu que a atividade fiscal é atividade jurídica para fins de concurso da Magistratura (http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/3939:atividade-de-auditor-fiscal-vale-como-tempo-de-atividade-jurca. O CNMP, também decidindo casos concretos (Processo n° 0.00.000.000333/2010-19 e Processo nº 0.00.000.000334/2010-63) entendeu que a atividade de Fiscal Federal e Auditor do Tribunal de Contas são preponderantemente jurídicas. Só é preciso observar que esses entendimentos decorrem de decisões em casos concretos, mas  mesmo que possa haver problemas no âmbito administrativo, acredito que, hoje, os fiscais têm bons precedentes para levar aos Conselhos Nacionais ou ao Judiciário. 

Oficial de justiça: em alguns estados da Federação, o cargo de oficial de justiça é privativo de bacharel em direito. Em outros, não é. Há precedente do STF no sentido de que, por isonomia, o cargo de oficial de justiça deve ser considerado como efetivo exercício de atividade jurídica, mesmo que a lei daquele estado específico não exija tal requisito. 

Conciliador judicial: é a possibilidade mais tranquila e menos questionável para quem tem óbices ao exercício de alguma outra atividade, como é o caso de quem ocupa cargos não privativos de bacharel. O CNJ a caracteriza como “o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano”. A única dúvida que existe é o significado desse “durante um ano”. Poderia ele servir para vedar o cômputo de período inferior a um ano, como alguns meses, ou superior a um ano, como cumprir os três anos sendo conciliador? Me parece que a resposta é negativa a ambas as perguntas. A locução “durante um ano” me parece apenas esclarecer que, para contar um ano, é preciso exercer o ano todo, não bastando, por exemplo, alguns meses por ano. Mas se a pessoa exerce alguns meses e deseja contar aqueles meses que exerceu, não vejo problema. Do mesmo modo, não acho que essa locução tenha o condão de obstar que a pessoa seja conciliadora por mais de um ano. Reconheço, entretanto, que a redação é mesmo ambígua.

UPDATE
Fui informado por um leitor que o Ministério Público Federal não aceitou o cômputo de menos de um ano na função de conciliador como efetivo exercício de atividade jurídica. Seria necessário ter pelo menos um ano completo. 

A vantagem é que não conheço estatuto de nenhuma categoria de servidores, mesmo militares, que proíba a atuação como conciliador, uma vez que se trata de atividade voluntária, que não exige inscrição na OAB.

Também recebi uma questão de uma pessoa que mora em uma cidade muito pequena e o número de conciliações não chega a 16 horas mensais. Eu acho que, nesse caso, o ideal seria pedir ao juiz para ficar à disposição por 16 horas, independentemente do número de conciliações efetivamente realizadas. Acredito que isso resolveria o problema, se o juiz concordar, é claro.

Magistério: não há problema com o cômputo do magistério superior, desde que a disciplina ministrada seja jurídica. O magistério conta da mesma forma como se conta o cargo público, dia por dia, da data em que foi admitido até a data em que foi demitido. Lembro, mais uma vez, que mesmo que o magistério seja exercido concomitantemente com outra atividade jurídica, não é possível “dobrar o tempo” para fins de contagem. Será necessário aguardar os 3 anos.

Escrevente de cartório público ou privado: vale a regra do cargo não privativo. Se o chefe fizer a certidão descrevendo atividades desempenhadas pela pessoa que exijam conhecimento jurídico, a atividade poderá ser computada.

“Colaborador” da defensoria pública, “Estágio prorrogado” do MPSP, “estágio de pós-graduação” do TJPR: vários órgãos públicos acharam jeitinhos para contratar pessoas formadas, na condição de estagiários ou de colaboradores voluntários, de modo a reforçar seus quadros. Embora me pareça que tudo isso seja de duvidosa legalidade, sob o prisma do direito administrativo, para fins de concurso público, se você tiver a certidão, dizendo que exerceu atividade junto a esse órgão, depois de formado e que a atividade envolve conhecimentos preponderantemente jurídicos, descrevendo quais são essas atividades, acho que não haverá problemas de comprovação.

Atividade de orientação jurídica voluntária: essa foi uma das perguntas mais inusitadas que recebi: pessoa que presta orientação jurídica voluntária via internet. É uma questão duvidosa. Rigorosamente, é atividade jurídica, mas temo que, com o conservadorismo das bancas, haja grande possibilidade de que a pessoa tenha problemas. O mesmo vale para atividade de tutor em curso jurídico, já que ambas são situações em que o vínculo entre quem presta o serviço e a instituição (curso ou site) é precário. O ideal seria se garantir com as cinco petições e apresentar isso como reforço.

Data para a comprovação dos três anos: até 27 de junho de 2012, tanto para a Magistratura quanto para o MP, a resposta era, no ato da inscrição definitiva, que se dá após a segunda etapa do concurso, antes da prova oral. Entretanto, em 27 de junho de 2012 a Resolução do CNMP foi alterada e, para o MP, passou-se a determinar que a verificação se dê apenas no ato da posse. Assim, é possível aos candidatos prestar o concurso para o MP desde a colação de grau. Caso o resultado final saia antes dos três anos, seria possível pedir o adiamento da posse, pelo prazo de validade do concurso, de modo a aguardar a complementação do tempo. Atenção apenas para o prazo de validade que, eventualmente, pode ser pequeno nesse tipo de certame. Só gostaria de observar que a jurisprudência era consolidada no sentido de que requisitos do cargo só se exigiam na data da posse. Quando MP e Magistratura passaram a exigi-los na inscrição definitiva, o STF se manifestou dizendo que MP e Magistratura são cargos especiais, que exigiriam maior segurança jurídica e, portanto, validando a exigência antes da posse. Agora o CNMP voltou atrás e o STF ainda não se manifestou. Resta saber se exigir esse requisito antes da posse é uma prerrogativa ou um dever do MP e dos tribunais.

Em síntese, meus amigos, creio que, com uma leitura criteriosa, é possível enquadrar nas hipóteses que abordo aqui todas as situações de atividade jurídica para a Magistratura e o MP. Sei que algumas defensorias e advocacias públicas também têm passado a exigir esse requisito. Nesse caso, será preciso verificar cada edital, já que não há órgãos nacionais de uniformização de entendimentos. Aqui o céu das confusões é o limite. Há quem aceite atividade antes da colação de grau e tudo mais. Nosso guia, para essas hipóteses, deve ser usado com moderação.

Agradeço muito a todas as pessoas que mandaram suas dúvidas sobre o assunto e me permitiram escrever uma postagem tão rica. Espero que, no futuro, todos possam dizer aos colegas “dúvidas sobre atividade jurídica? Lei a bíblia!”