sábado, 27 de dezembro de 2014

A crise na Rússia

Há quase duas décadas atrás (que vergonha), eu gostava muito de palestras voltadas para o público empresarial, por influência do meu pai, que é comerciante. Hoje me lembrei de uma que me parece aplicável aos concursos públicos. O professor Marins, uma vez, contou que ele estava se deslocando para ir a uma palestra em uma cidade do interior e parou em um bar para comer alguma coisa. Segundo ele, o bar era sujo, com teias de aranha nos cantos, e faltando cadeiras para os clientes. Quando ele se dirigiu ao balcão, nada do que ele queria estava disponível e, quando ele finalmente encontrou algo para comer, o resultado foi decepcionante: uma fritura encharcada e um café morno. Enquanto fazia o seu lanche, Maris contou que começou a conversar com o proprietário e, quando este soube da sua atuação no ramo empresarial, a primeira coisa que disse foi: "Professor, eu estou muito preocupado com essa crise na Rússia!". 

Moral da história: ao invés de se preocupar em limpar o bar, oferecer produtos melhores ou tomar quaisquer providências que tivessem impacto imediato no seu negócio, o sujeito estava preocupado com eventos para além do seu controle, cuja possibilidade de impacto na sua realidade, apesar de efetivamente existente, é irrisória. 

Nesses anos de blog, uma das coisas que eu mais vi foram pessoas preocupadas com a crise da Rússia. Alunos começando o curso de Direito preocupados com três anos de atividade jurídica, outros que nem prestaram o concurso e estão preocupados com a prova de títulos, pessoas preocupadas com os locais onde serão lotados caso passem num concurso do qual não passaram nem da primeira etapa. Até gente preocupada com remoção de cargo que não ocupa eu encontrei! 

Não me entendam mal, eu não tenho problema algum em receber essas mensagens ou responder essas perguntas. Quem me conhece sabe que comigo não tem assunto proibido! As perguntas, inclusive, me ajudam a enriquecer o conteúdo do blog. A minha preocupação é o que passa na cabeça de quem faz essas perguntas. Se você está querendo saber esse tipo de coisa por simples curiosidade, tudo bem. Mas se você realmente se preocupa com elas, você está indo pelo caminho errado. Se você ainda está na graduação, eu já disse mil vezes que sua única preocupação deve ser estudar e se esforçar para terminar o curso com uma boa base. Fazer uma boa faculdade, independentemente de você cursar uma faculdade boa. Se você está prestando um concurso, preocupe-se com as etapas na medida em que elas se apresentam. Não adianta ter títulos ou ser bom de prova aberta se você não passa da primeira etapa. Acreditem, conheço várias pessoas que seriam excelentes em provas abertas, porque escrevem muito bem, mas simplesmente não passam da prova objetiva. 

Finalmente, locais de lotação ou facilidade de remoção, embora sejam fatores relevantes - foram relevantes para mim, pelo menos -, não podem ser a única razão ou a razão determinante para que você escolha uma carreira. Tendo escolha, ainda me parece melhor passar 35 anos fazendo o que você gosta no pior lugar do mundo do que fazendo o que você abomina na cidade em que você nasceu, cresceu e passou a sua vida inteira. Uma coisa que os meus colegas que foram lotados em localidades que não os agradava me ensinaram é que todos somos resistentes a mudanças. Por outro lado, todos somos extremamente adaptáveis. Colegas meu foram lotados em municípios dos quais nunca tinham ouvido falar, ansiosíssimos com a possibilidade de remoção e, em pouco mais de dois anos, já tinham se casado e decidido estabelecer residência definitiva nesses lugares. Só no meu concurso deve haver pelo menos cinco procuradores(as) nessa situação. A vida muda e, se você tiver um mínimo de abertura para mudanças, eu tenho certeza de que estar na carreira certa é muito mais recompensador do que estar no lugar que você desejaria. 

Eu fiz questão de escrever isso porque eu mesmo, muitas vezes, estive preocupado com a crise na Rússia e hoje sei que isso é um equívoco. Organizar as suas prioridades e investir energia naquilo que está sob seu controle é muito mais proveitoso, tanto em termos de alcance de metas, quanto de tranquilidade mental, do que se preocupar com possibilidades remotas de problemas que você nem sabe se vai ter. 

sábado, 20 de dezembro de 2014

Estatísticas da Prova Objetiva do MPF: como os números podem ajudar você a ser Procurador da República 1

Contrariando as expectativas, o Conselho Superior do MPF optou por manter, para o 28º Concurso, a mesma banca que já dirigiu os 3 concursos anteriores. Isso me parece uma vantagem para os candidatos de agora. Pelo menos, temos um guia de como uma boa parte dos examinadores se comportou no passado. Contudo, pensando nisso, eu comecei a notar que muita gente não consegue, vamos dizer, tirar a mensagem das provas anteriores. É que, vistas com olhos de candidatos, as questões e as provas, muitas vezes, parecem muito diferentes.

Por essa razão, minha proposta aqui é fazer uma análise estatística dos examinadores que se repetiram nos últimos concursos, de modo que vocês possam, sem ter que perder tempo com isso, ter uma noção do que se pode extrair do comportamento de cada examinador. Ressalto, contudo, que quem ainda não refez as 3 provas anteriores, da forma como eu explico aqui no blog (relendo as questões e pesquisando as razões pelas quais errou: http://www.edilsonvitorelli.com/2011/06/o-que-fazer-depois-da-tempestade.html) acabou de perder o direito à ceia de natal. Você vai passar a noite do dia 24 fazendo isso, para aprender a deixar para a última hora...

Começo minhas estatísticas com Direito Constitucional e metodologia, examinado, nos últimos 3 concursos, pela Subprocuradora-Geral Deborah Duprat. Adotei o seguinte critério de análise: todas as assertivas que exigiam conhecimento novo, eu considerei uma questão separada. Assim, questões em que as 4 assertivas não tinham relação entre si, eu considerei como 4 questões diferentes, para fins estatísticos. Aí vem a primeira informação:

DICA 1 todas as questões elaboradas pela Deborah, nos três concursos anteriores, foram estruturadas superpondo conhecimentos de pontos distintos da matéria. Em nenhuma delas bastava você ter informação sobre um assunto e as alternativas eram variações sobre um conhecimento pontual. Isso significa que você vai, provavelmente, levar mais tempo para fazer a prova de Constitucional do que talvez pudesse imaginar quando considerou o número absoluto de questões.

Por outro lado, detectei algumas situações em que, se você tivesse conhecimento de um dos pontos envolvido na questão, poderia resolvê-la por eliminação, sem que soubesse os demais. Logo,  

DICA 2 - raciocínio por eliminação é especialmente importante na prova de direito constitucional.

Vejam essa questão do 27º Concurso:

9. ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
a) ( ) o STF, em tema de violência doméstica contra a mulher, entende que, para o início da ação penal, outros valores constitucionais devem ser ponderados, especialmente a preservação da entidade familiar e o respeito à vontade da mulher;
b) ( ) a concepção deliberativa da democracia vê a política como um empreendimento cooperativo, em que tão importante quanto a decisão é o debate que a precede;
c) ( ) o republicanismo contemporâneo assenta- se principalmente nas seguintes ideias: liberdade como “não dominação”; direito à participação popular na vida pública; e igualdade, inclusive em sua dimensão material;
d) ( ) o tratamento constitucional da atualidade no que se refere à questão indígena tem como seu pressuposto central o pluralismo.

Você poderia não saber nada de índios, de pluralismo, de democracia deliberativa ou de republicanismo. Bastava saber que o STF decidiu que a ação penal, nos casos de Lei Maria da Penha, é pública incondicionada. E isso caiu até na prova da OAB, de tão divulgado que foi!

Com os pressupostos que elenquei, minha análise estatística concluiu o seguinte:

25º concurso

Teoria = 28 questões
Jurisprudência - = 10 questões
Lei = 0
Tratado Internacional = 2 questões

26º concurso

Teoria = 26 questões
Jurisprudência = 14 questões
Lei = 0 questões
Tratado Internacional = 0 questões

27º concurso

Teoria = 27 questões
Jurisprudência  = 13 questões
Lei = 0 questões

Obs: lembrando, novamente, que o número de questões foi definido em razão do conhecimento necessário para responder a uma questão, de modo que, na prova de constitucional, cada assertiva foi considerada uma questão diferente.

Analisando os dados que exponho acima, fica fácil chegar a uma primeira conclusão:

DICA 3 – pare de ler a Constituição.

Se você está perdendo seu tempo decorando as hipóteses de estado de sítio ou de estado de defesa, você está apostando em algo muito pouco provável de ocorrer. Nenhuma questão de Constitucional, em três concursos, era passível de ser resolvida apenas pela letra da Constituição ou de leis. Apenas no 25 Concurso, duas assertivas exigiam o conhecimento literal de um tratado internacional, das pessoas com deficiência. Um jurista português, que tivesse um profundo conhecimento de teoria do direito constitucional, teria um bom resultado na prova, sem nunca ter lido a Constituição do Brasil. Isso é impressionante. 
A análise das três provas conduziu-me à conclusão de que, embora a jurisprudência do STF seja importante para estudar para a prova do MPF, não é tanto quanto possa parecer, à primeira vista.

DICA 4 - O estudo da teoria constitucional é o mais importante para a prova de Constitucional do MPF.

Muitas questões, mesmo que constem expressamente “de acordo com o STF”, estão, em verdade, debatendo aspectos de forte cunho teórico. São conhecimentos, por exemplo, de controle de constitucionalidade, que, embora tenham se sedimentado na jurisprudência do STF, são tão debatidos em livros de direito constitucional, e é mais fácil apreendê-los a partir da teoria do que da jurisprudência. Eu considerei a minha análise de questões que dependiam de conhecimento jurisprudencial até mesmo generosa. Houve algumas questões limítrofes em que eu mesmo fiquei na dúvida se era mais fácil obter aquele conhecimento na jurisprudência ou na teoria e acabei classificando como jurisprudência. Mesmo assim, o resultado de minha análise demonstra que aproximadamente 2/3 da prova de direito constitucional e metodologia dependia de conhecimentos de teoria e 1/3, no máximo, de jurisprudência do STF, sendo que uma parte desse terço você provavelmente veria referido em livros teóricos.
Feita a análise quantitativa, passo a uma percepção qualitativa da prova. Todas elas tiveram questões de índios e minorias variadas, como mulheres, deficientes. É preciso estudar isso. As questões de jurisprudência do STF foram fortemente focadas em controle de constitucionalidade. Houve pouca coisa sobre posicionamentos constitucionais materiais do STF. Então,

DICA 5 - estude a jurisprudência do STF com mais foco em questões processuais e de controle de constitucionalidade, ao invés de entendimentos de direito material.  

Termino com uma analogia de cinema: quem viu o filme “Quebrando a banca” se lembra que em todo o filme, a ideia de contar cartas no 21 é baseada em possibilidades estatísticas. O que digo aqui não impede que a examinadora altere completamente seu estilo. Em concurso, tudo é possível. Mas, como eu sempre digo, é inviável estudar tudo, então me parece preferível aumentar as chances e estudar dentro das tendências anteriores.


Nos próximos dias, acompanhem as estatísticas dos outros examinadores.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

28º Concurso do MPF: Banca votada pelo CSMPF

Conforme chamou minha atenção o leitor Eduardo, na sessão do dia 2 de dezembro, o Conselho Superior do MPF debateu a questão da formação da banca do concurso. O áudio da sessão é público e está disponível em http://midia.pgr.mpf.gov.br/csmpf/audio/2014/ordi/10_ordi_CSMPF2_12_14.mp3. A banca não foi publicada, mas é altamente provável que ela esteja definida. Em síntese, considerando a falta de tempo hábil para aprovar a resolução de definição de critérios da banca, decidiu-se manter a composição dos concursos anteriores. Assim, surpreendentemente, não temos grandes mudanças na banca do concurso, de modo que, conforme eu já havia mencionado no post anterior, as provas anteriores, que eram um guia bom para o concurso, se tornaram um guia excelente. 

Portanto, ficamos assim: 
Direito Constitucional e metodologia: Deborah Duprat 
Direito Internacional Público e Privado e Proteção Internacional de Direitos Humanos: Denise Abade 
Direito Eleitoral: Eugênio Aragão 
Direito Administrativo e ambiental: Nicolao Dino 
Direito Tributário: José Arnaldo da Fonseca 
Direito Econômico e do Consumidor: Daniela Teixeira (OAB) 
Direito Civil e Processual Civil: Sandra Cureau 
Direito Penal: Ela Wiecko 
Direito Processual Penal: Douglas Fisher. 
Já escrevi sobre praticamente todos os examinadores em postagens sobre os concursos anteriores. Não há dúvidas de que todas as tendências anteriores permanecem. Quem ainda não refez as provas da primeira etapa, pelo menos, dos três concursos anteriores, deve refazê-las imediatamente, para pegar o jeito das questões. 

Vou destacar aqui, entre os examinadores, o “novato” Douglas Fisher. É claro, se trata de um examinador novo, então é difícil prever, mas há duas características do Douglas que eu acredito que possam auxiliar nos estudos. Primeiro, ele é muito ligado em jurisprudência. Quem conhece o CPP comentado, que ele escreveu juntamente com o Eugênio Pacelli, sabe disso. Eu aposto em uma prova de processo penal muito mais jurisprudencial e menos teórica que as anteriores. Por outro lado, Douglas é muito crítico da jurisprudência, principalmente dos excessos do garantismo. Deem uma olhada, por exemplo, neste link: http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/60553/garantismo_penal_integral.pdf?sequence=1. É claro que esses temas são mais propícios a questões de segunda etapa, mas é interessante saber que o examinador tem esse interesse. 


Assim, eu estudaria os temas atuais de processo penal na jurisprudência, sobretudo os relacionados com questões federais. Prometo, nos próximos dias, delimitar um pouco mais esses temas. Por hora, entretanto, quero deixar registrado que a banca, muito provavelmente, está definida e que o estudo deve ser fortemente focado nas provas anteriores.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Update: Banca examinadora do MPF

Só para ter certeza de que estamos todos na mesma página, gostaria de fazer um rápido update sobre a banca do MPF. O update é apenas para dizer que não há nada de novo. Eu não tenho notícia oficial ou extraoficial de que a banca tenha sido definida. A única examinadora definida é a da OAB, que é a mesma do concurso passado. O palpite que alguém postou como uma verdade no correio web, mesmo que se confirme, é um palpite fácil. Ele repete todos os examinadores do concurso anterior, mantendo a Denise Abade no Direito Internacional e transferindo o Eugênio Aragão, que deixou essa cadeira no meio do concurso, para o Direito Eleitoral. Sendo ele o Procurador Geral Eleitoral, essa sugestão para acomodá-lo na banca, sem tirar a Denise, é mais que óbvia. O único palpite diferente é o Douglas Fischer como examinador de Processo Penal. Douglas é cotado para essa função há algum tempo, mas ele foi professor em cursos preparatórios e eu não sei se o período de desincompatibilização já transcorreu. 

Enfim, parem de se torturar com isso. Essa possibilidade é tão verdadeira quanto qualquer outra, uma vez que o CSMPF não deliberou sobre a banca. Como registrei no post passado, havia uma demanda do Conselho Superior de que os membros da banca fossem alternados no futuro e foi isso que causou o atraso na divulgação desta. Se fosse (ou se for) para compor uma banca quase idêntica à da prova passada, é pouco provável que o CSMPF tivesse se dado a esse trabalho. 

Sei que o momento é de muita tensão, mas procurem não se condicionar por essa espera. As provas dos três ou quatro concursos anteriores continuam sendo bons guias de estudo, mesmo que a banca venha a ser alterada. 

Absurdos jurídicos V

Essa dispensa qualquer comentário.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13050.htm