segunda-feira, 21 de julho de 2014

Apenas para os maus alunos

Se você está lendo isso é porque, provavelmente, não se identificou com minha postagem anterior e está pensando que eu deixarei você desamparado. Como já disse, eu não fui um mau aluno, então tenho menos propriedade para escrever para você, mas vou fazer o melhor que puder.

Primeiramente, é preciso avaliar as razões pelas quais você está se considerando um mau aluno. O que constitui um mau aluno, também em ordem de importância:

1) Você era o “Zé do caderno”. Nunca leu um livro jurídico na vida. Estudava apenas pelo caderno, nem sempre o seu próprio. O pouco tempo que dedicava ao curso fora da sala de aula era para estudar para provas e, mesmo assim, não mais que o necessário para ser aprovado.

2) Você não se destacava entre os seus colegas. Ou estava ali “no bolo” dos alunos médios (como diria minha diretora na escola) ou estava sendo reprovado.

3) Você estudou em uma faculdade que estava absolutamente tranquila com a sua decisão de transformar o curso numa festa de cinco anos, agradavelmente regada pela saudável paridade entre os gêneros que existe no curso de direito, diferentemente das engenharias ou da pedagogia. Se você continuasse respirando ao final de cinco anos, a faculdade te daria o diploma.

4) Você escreve mal.

5) Você tinha considerável dificuldade para compreender as matérias, mesmo se esforçando e estudando.

6) Você teve considerável dificuldade para passar na prova da OAB.

Tratemos um pouco de cada um desse itens. Se você não estudava na faculdade, é provável que você não tenha aprendido a estudar. Você não tem paciência para ficar horas e horas lendo livro, não sabe o que fazer para memorizar ou contextualizar o conhecimento que leu. Você está, então, limitado ao conhecimento que seus professores lhe transmitiram. O problema é que, sem estudo, por melhor que eles fossem, você provavelmente aprendeu pouco. O item 2 é consequência do 1. Como você não estudava, estava sempre na pindura das notas. Seus professores provavelmente se lembram de você por motivos não relacionados ao seu desempenho acadêmico ou não se lembram de forma alguma.

O item 3 é um catalisador do 1. Se você estudou apenas o que seus professores te ensinaram e eles não estavam preocupados em ensinar grande coisa, então você sabe menos ainda. Eu reitero que apostaria meu dinheiro em um bom aluno de uma faculdade ruim ao invés de um mau aluno de uma faculdade boa, mas se você era um mau aluno em uma má faculdade, sua situação não é nada boa.

O item 4 é independente dos anteriores. Eu digo aos meus alunos no 3º semestre: “Se você já percebeu que escreve mal, saia daqui hoje e procure uma aula de Português”. A faculdade não vai ensinar você a escrever e se você não tem um bom domínio da linguagem, ficará limitado para o resto da vida nessa profissão. Isso aqui não é engenharia! A linguagem é a nossa ferramenta. Mesmo que você seja muito bom, se escrever mal, vai ficar limitado a concursos que não têm prova aberta.

O item 5 também é independente e, na minha visão, é o mais doloroso. É a situação do aluno esforçado, que tem dificuldade. É aquele que estuda muito, mas o resultado não vem. Isso infelizmente é uma realidade. As pessoas têm capacidades de apreensão, compreensão e memorização distintas e, por isso, alguns têm mais dificuldade do que outros. Continuo insistindo que, no longo prazo, o esforço compensa a dificuldade. Mas dificuldade somada a malandragem é uma bomba nos seus resultados.

Por fim, o item 6 é a OAB. Todos sabem das minhas muitas críticas ao exame, cuja banalidade só é superada por sua arbitrariedade. Mas, é inegável que ele é um termômetro. Se você terminou o curso e, apesar de fazer cursinho, teve que prestar o exame três vezes ou mais, vamos reconhecer, não é o azar que está te atrapalhando. O azar pode justificar duas reprovações, mas não três.

Se você se identificou com os itens acima, especialmente com aqueles que estão mais para cima no grau de importância, você é um mau aluno. Assuma isso com tranquilidade e honestidade para consigo mesmo.

A primeira coisa a fazer, dada essa constatação, é se perguntar se concurso é mesmo a melhor decisão para você. Concurso é um empreendimento de disciplina e esforço intelectual. É dedicar muitas horas de sua vida a um objetivo. Não pense que apenas frequentar o cursinho para justificar para o seu pai que você não é um desempregado vai levar você à aprovação. Talvez seja melhor dedicar todo esse tempo a tentar estabelecer uma carreira na iniciativa privada, seja por conta própria, seja trabalhando para outrem. Honestidade, nesse momento, é algo que te fará bem.

Supondo que você tenha decidido que o que quer mesmo é fazer concurso, então, como diria o Sílvio Santos, em uma propaganda do finado Baú, você não precisa melhorar a sua vida, você precisa mudar de vida. Não vou perder tempo aqui repetindo tudo que já escrevi aqui no blog. Comece sua mudança lendo as postagens anteriores. Estabeleça uma rotina de estudos, um método de fixação, diagnostique suas reprovações etc. etc. Já escrevi muito sobre tudo isso. Leia especialmente a série de posts por onde começar e ordem e método.

Conscientize-se, entretanto, que essa mudança, tal como o Universo, não vai ser feita em um dia. Não adianta nada estudar 10 horas no primeiro dia e depois não aguentar nem olhar para o livro no segundo. Estabeleça um prazo que leve em consideração todo o tempo que você deveria ter estudado durante o curso e não espere resultados antes disso, salvo se você descobrir que tem muita facilidade para a coisa (isso, de fato, acontece com algumas pessoas).

Em segundo lugar, seja criterioso com seus próprios resultados. À medida que você for prestando concursos, fique atento a sua evolução ou à ausência dela. Escrevi muito sobre isso em A hora de parar. Se você presta concurso só para enganar alguém, procure não enganar também a si mesmo. Sair da prova dizendo “foi fácil” e depois ficar na posição dez mil excedente pega muito mal.

Em terceiro lugar, se você quer mesmo passar, prepare-se para privações. Quem me acompanha há mais tempo sabe que eu não sou adepto do sofrimento. Acho, sim, que dá para passar sem sofrer. Mas não para quem era um mau aluno. Isso porque o seu limite de sofrimento é muito baixo. Você se acostumou tanto a uma vida de esbórnia que certamente vai se sentir um monge se for estudar seriamente. Mas, reitero, isso não significa que você precise abandonar o convívio social. Significa apenas que você não vai ser tão social quanto era na faculdade. Digamos, dez por cento do que era.

Pra terminar, os dois assuntos diferentes da turma da gandaia: quem escreve mal e quem tem dificuldade. Se você escreve mal, repito, procure um professor. Não é vergonha estudar Português, como muita gente parece pensar. Eu estou fazendo aulas de tênis (resolvi por a prova a tese que alguém escreveu em um comentário do post “A hora de parar”, segundo o qual, se eu quisesse mesmo, poderia me tornar o novo Nadal. Por enquanto, devo dizer, esse projeto vai mal) e, depois de mim, entra na quadra, com o mesmo professor, um menino de 10 anos chamado Giovani. Nem por isso eu saí da aula ou me senti mortalmente envergonhado. Português é a mesma coisa. Se você não aprendeu na escola, não tenha vergonha de buscar sanar essa dificuldade.

E você que estuda muito e, mesmo assim, tem dificuldade de aprendizado. Já vi muitos alunos assim e, confesso, é uma situação dolorosa. Nós somos treinados para acreditar que o resultado é uma consequência direta e necessária do esforço. Dói muito quando percebemos que não é ou, pelo menos, não para todos. Eu peço a você, que está nessa situação, que se imagine como um joalheiro: você só fará um bom trabalho se o fizer bem lentamente. Sua preocupação não é com quantidade, mas com qualidade. Não importa que você leia uma página por dia, desde que você a apreenda. Minha postagem “20 por dia: o desafio” certamente é pra você. Aproveite que você terminou a faculdade e estabeleça um ritmo próprio de estudo, desvinculado de uma turma. Procure também encontrar a metodologia de estudo que se adapta melhor ao seu perfil de aprendizagem. Aula, leitura, exercícios, um pouco de cada, enfim, experimente bastante. Nosso método nas faculdades ainda é muito expositivo e nem todo mundo se dá bem com isso. Pode ser que a sua dificuldade seja apenas de adaptação a esse estilo e não propriamente com a matéria.

Enfim, meus caros maus alunos, saibam que a situação de vocês tem solução. Um mau aluno pode passar em concurso e muitos, de fato, passam. Mas você vai ter que pagar a dívida com o seu passado.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Apenas para os bons alunos

Ressaca pós-copa é o pior tipo de ressaca que existe. Parece primeiro dia de aula. Ao contrário de alguns fanáticos, eu nunca gostei de ir para a escola. Na verdade, não é bem isso. Eu até gostava da escola. O que eu não gostava é que o estado “escola” era excludente do estado “férias”, do qual eu gostava muito mais. Por isso eu nunca gostei do primeiro dia de aula que, além de representar o fim das férias, representava outra coisa com a qual eu não me dava muito bem: mudança. 

Explico. Eu sempre fui um bom aluno e, por isso, um novo ano representava um questionamento do status quo, no qual eu já havia afirmado meu lugar. Novo ano, novo tudo. Novos professores, nova matéria... E se eu descobrisse um bloqueio mental para alguma coisa e encravasse naquele novo ano?! 

Mas por que estou contando isso? É que a minha experiência como bom aluno me fez diagnosticar que bons alunos também têm problemas. E isso é mais inusitado do que parece, principalmente, para um bom aluno de direito. Afinal, direito é uma disciplina intelectual. O silogismo é: se o direito é uma disciplina que exige estudo e se eu sou um bom aluno, logo, eu sou bom em direito. Mas, meus caros bons alunos, esse estado de ser bom também tem seus problemas. 

Mas, antes de tudo, é preciso fazer um diagnóstico. Quem é bom aluno? Não existe, é claro, uma fórmula mágica para dizer quem é bom, mas eu colocaria os seguintes requisitos, do mais importante para o menos importante: 

1) Durante a Faculdade, você dedicava pelo menos 8 horas semanais, fora das aulas, para leitura de livros indicados pelo professor. 

2) Você obteve resultados acima da média da sua turma durante o curso. 

3) Você estudou em uma faculdade com uma proposta pedagógica séria. 

4) Você tinha facilidade para compreender as matérias, mesmo quando não as estudava adequadamente. 

Uma rápida explicação sobre os requisitos. O primeiro é, de longe, o mais importante. Quem estudou lendo doutrina durante a faculdade, indo além do simples conhecimento da sala de aula, 1) se acostumou a estudar, criando mais tolerância para o esforço que o estudo demanda; 2) criou uma base de conhecimento sólida, que permite a apreensão mais fácil do conhecimento necessário para o concurso. O segundo requisito é uma consequência do primeiro. Aprendi, ao longo da minha vida, que não existe essa história de que é melhor ser um rei entre os pobres ou um pobre entre os reis (ou coisa que o valha). O bom aluno se destaca, no longo prazo, mesmo quando vem de uma escola muito mais fraca para uma muito mais forte. Ele pega o ritmo. O mau aluno será sempre mau, esteja na melhor faculdade do mundo ou na pior. Ele sempre se nivela por baixo, pelo mínimo. 

O terceiro requisito é o mais complicado. Já disse várias vezes que fazer uma boa faculdade não é fazer uma faculdade boa. Eu apostaria meu dinheiro na aprovação de um excelente aluno de uma péssima faculdade do que no pior aluno da melhor faculdade. Mas sou obrigado a reconhecer que, perifericamente, esse fator “faculdade boa” tem importância. Ele aumenta suas chances de ter melhores professores, que lhe transmitam o conteúdo com mais qualidade, evitando que você tenha buracos na sua formação. 

Por fim, o último requisito, o menos importante, é o da chamada “facilidade” ou “inteligência”. Quantas vezes já ouvimos um professor dizer “Fulano é tão inteligente, pena que não se esforça”. Eu digo: então ele é burro, porque desperdiça a inteligência que tem. Direito é uma ciência que exige muito esforço e pouco talento. Não é como a engenharia, a medicina ou as artes, em que a pessoa pode simplesmente ser boa nisso. Só se aprende Direito estudando. Mas, de novo, perifericamente, eu reconheço que quem tem facilidade para aprender tem uma vantagem, pelo menos potencial, para se tornar um bom aluno. 

Pois bem, se você se reconheceu nesses elementos ou em alguns deles, você é um bom aluno e eu quero tratar aqui de alguns problemas que você provavelmente tem: 1) Você tem elevadas expectativas sobre si mesmo e sobre o tempo que vai levar para passar; 2) Você é resistente a mudanças, especialmente em relação ao seu método de estudos; 3) Você tem baixa tolerância a frustração. 

O primeiro problema é o mais comum e evidente. O bom aluno sai da faculdade achando que, ao final do primeiro ano de formado, vai ter um cargo público e, logo após três anos, vai ser juiz ou MP (ou algo mais que lhe interesse). Era isso que eu pensava e isso é um equívoco. Você deve, evidentemente, ter metas de aprovação e monitorar o seu progresso, fazendo um diagnóstico das suas reprovações. Mas estabelecer prazos tão apertados só servirá para pressioná-lo. Ser aprovado, hoje em dia, é algo que, em regra, leva tempo. Pense em você mesmo sempre como regra. Se for exceção, ótimo, mas não se julgue uma antecipadamente. Então, mesmo que você tenha se formado como o melhor de sua classe, o melhor é "baixar a bola" um pouco e ter consciência de que a aprovação pode demorar mais do que você gostaria. 

O segundo problema é o da mudança, ou "em time que está ganhando não se mexe". Quem é bom aluno acha que, sendo bom, sabe estudar e, por isso, não precisa mudar os métodos que utilizou na faculdade. Isso não é verdade. O estudo para concurso é diferente. Por exemplo, conheço muitas pessoas que se perdem porque querem estudar por livros muito profundos para a primeira etapa. Primeira etapa (salvo MPF) é lei e jurisprudência. Não adianta perder tempo lendo tratados. Conheço pessoas muito boas que nunca chegaram onde queriam porque não conseguem passar da primeira etapa. São "desorientadas" com o estudo. Correm de livro em livro e não entendem porque seus resultados são tão ruins, quando eram alunos tão bons. É preciso corrigir isso. 

Por fim, a tolerância ao fracasso. Esse é o problema psicológico. Quem quase nunca fracassou na vida, quando chega no concurso e não atinge o resultado esperado, tende a um desequilíbrio emocional em um prazo muito curto. Recebo mensagens de pessoas recém-formadas ou com dois ou três anos de formatura, completamente desestabilizadas porque não estão passando no concurso que queriam. Pessoal, vamos voltar para a Terra! A concorrência é muito grande, as provas são muito difíceis e a matéria é enorme. Eu sei que é difícil (acreditem, ninguém é mais dramático do que eu), mas, meu caro bom aluno, procure evitar que a frustração das elevadas expectativas que você tinha durante a graduação tirem você do seu caminho. 

Duas lições ficam: no longo prazo, esforço vale mais que capacidade. No longo prazo, não é infrequente que alunos piores (não os péssimos, mas os médios) cheguem mais longe que alunos melhores, porque eles aguentam ouvir 99 nãos antes de ouvir um sim. Os bons alunos têm dificuldade em aguentar isso e, para parar de sofrer, preferem diminuir seus objetivos e se contentar com uma meta menor. Esse é um grande obstáculo para um bom aluno superar.