O legislador parece estar se esforçando para que o novo CPC mantenha a média do velho. Em menos de 2 anos de aprovação e menos de 1 de vigência, o Código foi profundamente alterado pela Lei 13.256/16 e agora sofreu sua segunda modificação, pela Lei 13.363/16, cujo objetivo é estabelecer direitos para a advogada parturiente.
A pauta, como se sabe, é nobre. Eu mesmo já escrevi, aqui no blog, textos sobre desigualdade de gênero e sobre como as mulheres ainda não conseguem ser maioria nos cargos públicos mais elevados, embora sejam maioria nas faculdades de direito.
Vejamos o texto:
“Art. 313. Suspende-se o processo:
(...)
IX - pelo parto ou pela concessão de adoção, quando a advogada responsável pelo processo constituir a única patrona da causa;
X - quando o advogado responsável pelo processo constituir o único patrono da causa e tornar-se pai.
(...)
§ 6º No caso do inciso IX, o período de suspensão será de 30 (trinta) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente.
§ 7º No caso do inciso X, o período de suspensão será de 8 (oito) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente”.
Criaram-se, então, duas novas hipóteses de suspensão do processo, para atender advogados e advogadas que trabalham sozinhos e têm filhos. Elas têm os mesmos requisitos:
1) o(a) advogado(a) deve ser o único patrono da causa;
2) deve apresentar certidão de nascimento ou documento correspondente da criança;
3) deve notificar o cliente.
Cumpridos esses requisitos, o processo será suspenso por 30 dias, no caso da advogada que se torna mãe e por 8 dias, para o advogado que se torna pai.
A leitura pouco aprofundada da norma pode levar o incauto a considerá-la digna de elogios. O site migalhas a classificou como “auspicioso direito”, afirmando que “Hoje, 28, na abertura da II Conferência Nacional da Mulher Advogada, que acontece estes dias em Belo Horizonte, será motivo de comemoração”. (http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI249628,31047-Nova+lei+altera+CPC+e+Estatuto+da+Advocacia)
Eu, todavia, não vejo qualquer razão para comemoração e acredito que o direito garantido pela lei, além de constituir mais um retalho no CPC, será, do ponto de vista operacional, irrealizável e, por isso, fadado ao completo esquecimento.
Primeiro, o prazo de suspensão conta da data do parto, e não do deferimento judicial. Assim, ao que parece, o legislador pretende que a advogada, no dia do parto, passe horas elaborando petições para juntar em todos os seus processos, em conjunto com a certidão de nascimento do filho, para requerer a suspensão. Além disso, ela deverá notificar seus clientes do evento. Será que isso deveria ser feito antes do parto ou depois? E será que essa comunicação ao cliente precisa ser comprovada nos autos?
Terceiro, é provável que o cliente, leigo, ao receber tal notificação, possa se considerar prejudicado pela paralisação do processo e cogite buscar outro advogado.
Logo, o procedimento previsto para que a advogada acesse o direito garantido é custoso, complexo e potencialmente prejudicial, do ponto de vista comercial, por um benefício muito reduzido, que é a suspensão do processo por apenas 30 dias.
Seria possível tentar ser generoso com o legislador e imaginar que a advogada poderia juntar a certidão de nascimento a posteriori e requerer a devolução dos prazos transcorridos no período. Contudo, não é isso que consta do texto e me parece que seria um risco muito grande, ao qual eu imagino que a imensa maioria das advogadas não desejará submeter-se.
Há também problemas operacionais do ponto de vista jurisdicional. O prazo corre do evento que o origina (nascimento ou adoção), não do deferimento judicial. Em boa parte das varas do país, todavia, o juiz sequer despachará o requerimento antes que o prazo de 30 dias termine. Em algumas, é provável que a petição sequer seja juntada aos autos antes do fim dos 30 dias. Quando se pensa no exíguo prazo de 8 dias para os pais, é quase certo que o despacho de suspensão não virá antes do término do prazo.
Finalmente, a lei, embora comemorada por muitas mulheres, ainda tem o defeito de perpetuar a ideia de que as mães são mais responsáveis pelos filhos que os pais, motivo pelo qual estes já podem estar de volta ao trabalho em 8 dias, enquanto as mulheres permanecem em casa.
É, provavelmente, dessas boas intenções que o inferno está cheio. Também é uma pena que as entidades representativas das mulheres advogadas não tenham, ao que parece, percebido o problema operacional antes da aprovação da norma. Se é que nela há avanço, será muito pequeno. Gastou-se energia para aprovar um projeto que não resolve o problema das mulheres advogadas e que se juntará a diversas outras normas de cunho meramente simbólico, das quais o direito brasileiro está cheio, lamentavelmente.