quarta-feira, 21 de julho de 2010

A licitação e o desenvolvimento nacional - a medida provisória 495, de 2010

Em 19 de julho último, nosso presidente editou a medida provisória 495, aterando algumas normas da Lei 8.666/93 e 10.520/01, leis de licitação e de pregão, para dizer que um dos objetivos das licitações agora é garantir o "desenvolvimento nacional". Entre as principais alterações, está a possibilidade da administração pública pagar até 25% a mais pela aquisição de um produto nacional, em relação a um estrangeiro. Essa margem será fixada pelo presidente da república.
A MP é, antes de tudo, inconstitucional, uma vez que o art. 37, XXI estabelece que a licitação se destina a obter a proposta mais vantajosa e a garantir a igualdade entre os licitantes, e não a garantir o desenvolvimento nacional. Esse nacionalismo alla Orodico Paraguaçu, certamente superado em uma perspectiva globalizada, pessoalmente me é incômodo: não me sinto confortável que o dinhiero de meus impostos seja usado para pagar mais caro por um produto, apenas porque ele é nacional.
E, antes que algum comunista nostálgico venha criticar-me, é preciso lembrar que os maiores beneficiados com isso não serão os pobres pequenos empresários brasileiros, mas as mega-corporações transnacionais instaladas no Brasil que, sabendo quanto é cobrado pelo produto estrangeiro, poderão confortavelmente cobrar mais caro do Brasil, aumentando seu lucro, sem qualquer correspondente imediato para a sociedade que arca com o prejuízo.
Ninguém montará uma empresa no Brasil para vender apenas para a administração pública. É demagogia afirmar isso, pois esse mercado é muito pequeno para tanto. O que vai acontecer é que as empresas que já estão produzindo aqui, ao invés de se esforçarem para serem mais competitivas, vão ter mais lucro vendendo mais caro para o governo, sem ter que competir com os estrangeiros. E isso não vai gerar empregos, ou progresso, ou qualquer outra das frases feitas que nosso Odorico adora.
Quando se muda uma regra do jogo, os participantes se adaptam da melhor forma para eles, que nem sempre é a desejada pela alteração. De todo modo, como é possível que isso venha a ser chancelado pelo Congresso, será um prato cheio em concursos. Então, vale a leitura dos dispositivos:
 
 
 
Altera as Leis nos 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e revoga o § 1o do art. 2o da Lei no 11.273, de 6 de fevereiro de 2006.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o  A Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1o  ........................................................................
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.
.................................................................................
§ 2º  ..........................................................................
I - produzidos no País;
II - produzidos ou prestados por empresas brasileiras; e
III - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.
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§ 5º  Nos processos de licitação previstos no caput, poderá ser estabelecida margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.
§ 6o  A margem de preferência por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços, a que refere o § 5o, será definida pelo Poder Executivo Federal, limitada a até vinte e cinco por cento acima do preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.
§ 7o  A margem de preferência de que trata o § 6o será estabelecida com base em estudos que levem em consideração:
I - geração de emprego e renda;
II - efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais; e
III - desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País.
§ 8o  Respeitado o limite estabelecido no § 6o, poderá ser estabelecida margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e para os serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País.
§ 9o  As disposições contidas nos §§ 5o, 6o e 8o deste artigo não se aplicam quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou capacidade de prestação dos serviços no País.
§ 10.  A margem de preferência a que se refere o § 6o será estendida aos bens e serviços originários dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul - Mercosul, após a ratificação do Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul, celebrado em 20 de julho de 2006, e poderá ser estendida, total ou parcialmente, aos bens e serviços originários de outros países, com os quais o Brasil venha assinar acordos sobre compras governamentais.
§ 11.  Os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão exigir que o contratado promova, em favor da administração pública ou daqueles por ela indicados, medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo Federal.
§ 12.  Nas contratações destinadas à implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo Federal, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei no 10.176, de 11 de janeiro de 2001.” (NR)
“Art. 6º  ...................................................................
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XVII - produtos manufaturados nacionais - produtos manufaturados, produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo Federal;
XVIII - serviços nacionais - serviços prestados no País, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo Federal;
XIX -  sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos - bens e serviços de tecnologia da informação e comunicação cuja descontinuidade provoque dano significativo à administração pública e que envolvam pelo menos um dos seguintes requisitos relacionados às informações críticas: disponibilidade, confiabilidade, segurança e confidencialidade.” (NR)
“Art. 24.  ...................................................................
.................................................................................
XXXI - nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3o, 4o, 5o e 20 da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes.
.................................................................................” (NR)
“Art. 57.  ...................................................................
.................................................................................
V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até cento e vinte meses, caso haja interesse da administração.
.................................................................................” (NR)
Art. 2o  O disposto nesta Medida Provisória aplica-se à modalidade licitatória pregão, de que trata a Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002. 

É bom lembrar que também se possibilitou a alteração da vigência dos contratos de fornecimento destinado a casos de risco para a segurança nacional, material de uso das forças armadas, defesa nacional de alta tecnologia e ao desenvolvimento de projetos científicos ou tecnológicos para obtenção de produto ou processo inovadores, por até 25 meses, sendo que estes já são celebrados por dispensa de licitação. Vai entender esse país!
 

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