terça-feira, 2 de março de 2010

O chifre e a cabeça do cavalo VI - um exemplo

Para encerrar essa cruzada sobre as questões de múltipla escolha (acho que já me fiz entender), aí vai um exemplo, que tornará tudo mais claro. Na prova para estagiários da Procuradoria da República em Governador Valadares-MG, elaborada por mim, caiu a seguinte questão:

Recebido o inquérito policial, ainda em andamento, sem relatório, e com pedido de prazo para novas diligências, já elencadas pelo delegado de polícia, o Ministério Público Federal pode adotar qualquer uma das seguintes condutas, exceto:

a) Denunciar, desde já, por entender já estarem presentes indícios suficientes de materialidade e autoria.
b) Arquivar os autos, por entender que as diligências solicitadas não serão úteis, e não se encontram presentes indícios de autoria e materialidade.
c) Requisitar diligências distintas das elencadas pelo delegado, nesse caso, condicionado à fixação de prazo superior ao solicitado.
d) Deferir prazo inferior ao solicitado.

A resposta escrita no gabarito era letra "c", uma vez que o Ministério Público pode requerer as diligências que quiser, e fixar o prazo que quiser, não havendo relação entre uma coisa e outra. Ocorre que, depois da prova, recebi um recurso, aliás, bastante inteligente, que dizia: a alternativa "b" também está incorreta, porque o Ministério Público não pode arquivar o processo, mas sim pedir o arquivamento.

Confesso ao fiel leitor que, no momento em que elaborei a questão, não pensei nisso, e fiquei impressionado com a perspicácia do candidato. Mas, indeferi o recurso. A questão se focava na atividade do Ministério Público, não na distinção semântica entre arquivar e pedir arquivamento. Além disso, a alternativa "c" estava, evidentemente, errada. Assim, me parece que o candidato, nesse caso, procurou chifre em cabeça de cavalo: se fixou na distinção semântica entre arquivar e pedir arquivamento, ao invés de ler todas as alternativas e ver qual estava mais errado. Eu, como qualquer examinador, indeferi o recurso, embora tenha admirado a inteligência do candidato.

Então, minha conclusão é a seguinte: pegadinhas são como ETs: elas existem, mas a maioria das aparições acontece apenas na nossa imaginação.

P.S.: mesmo com o indeferimento do recurso, o recorrente foi aprovado no concurso.

5 comentários:

  1. Olá Dr. Edilson, quero lhe agradecer pelos tecidos comentários de ajuda, pois tenho muita dificuldade em prova objetiva e estou aprendendo muito com o Sr.. Meu foco é MPF, digo sempre que é meu sonho de consumo. Obrigada pelas dicas, estou entrando sempre no seu blog para adquirir conhecimentos.

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  2. Edilson,
    Muito interessante.
    O sr. aplica essa dica para provas objetivas do tipo certo/errado (CESPE)?
    Pelo que o sr. disse, parece uma boa técnica me perguntar diante de uma assertiva duvidosa: "[i]se essa pegadinha existe mesmo, é um ponto ESSENCIAL ou ACIDENTAL da assertiva?[/i]" Se for essencial, marco errado. Se for acidental (como no caso do "arquivar" e "pedir arquivamento"), marco certo.

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  3. Sr. Edilson, lendo a questão acima em deparei com uma dúvida (chifre na cabeça de cavalo??): a competência para deferir prorrogação de prazo para conclusão de IP não seria do juiz criminal, conforme art. 66 da lei 5010/66? Nesse sentido, a alternativa D estaria incorreta.

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  4. Dr. Edilson, essa é a minha vida! risos, risos... Marquei de cara a B, pensando: essa é a questão mais óbvia, porque o MP jamais poderá arquivar um IP, mas tão somente requerer o arquivamento.

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  5. Parabéns, pelo Blog... estou devorando tudo!

    Também marcaria a B. Oh, vida...ainda mais que professores e materiais de estudo apontam que o MP não pode arquivar e sim, pedir o arquivamento...
    Mas concordo que não se deve ficar brigando com a questão ou a banca, procurando chifre em cabeça de cavalo.

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