quinta-feira, 17 de julho de 2014

Apenas para os bons alunos

Ressaca pós-copa é o pior tipo de ressaca que existe. Parece primeiro dia de aula. Ao contrário de alguns fanáticos, eu nunca gostei de ir para a escola. Na verdade, não é bem isso. Eu até gostava da escola. O que eu não gostava é que o estado “escola” era excludente do estado “férias”, do qual eu gostava muito mais. Por isso eu nunca gostei do primeiro dia de aula que, além de representar o fim das férias, representava outra coisa com a qual eu não me dava muito bem: mudança. 

Explico. Eu sempre fui um bom aluno e, por isso, um novo ano representava um questionamento do status quo, no qual eu já havia afirmado meu lugar. Novo ano, novo tudo. Novos professores, nova matéria... E se eu descobrisse um bloqueio mental para alguma coisa e encravasse naquele novo ano?! 

Mas por que estou contando isso? É que a minha experiência como bom aluno me fez diagnosticar que bons alunos também têm problemas. E isso é mais inusitado do que parece, principalmente, para um bom aluno de direito. Afinal, direito é uma disciplina intelectual. O silogismo é: se o direito é uma disciplina que exige estudo e se eu sou um bom aluno, logo, eu sou bom em direito. Mas, meus caros bons alunos, esse estado de ser bom também tem seus problemas. 

Mas, antes de tudo, é preciso fazer um diagnóstico. Quem é bom aluno? Não existe, é claro, uma fórmula mágica para dizer quem é bom, mas eu colocaria os seguintes requisitos, do mais importante para o menos importante: 

1) Durante a Faculdade, você dedicava pelo menos 8 horas semanais, fora das aulas, para leitura de livros indicados pelo professor. 

2) Você obteve resultados acima da média da sua turma durante o curso. 

3) Você estudou em uma faculdade com uma proposta pedagógica séria. 

4) Você tinha facilidade para compreender as matérias, mesmo quando não as estudava adequadamente. 

Uma rápida explicação sobre os requisitos. O primeiro é, de longe, o mais importante. Quem estudou lendo doutrina durante a faculdade, indo além do simples conhecimento da sala de aula, 1) se acostumou a estudar, criando mais tolerância para o esforço que o estudo demanda; 2) criou uma base de conhecimento sólida, que permite a apreensão mais fácil do conhecimento necessário para o concurso. O segundo requisito é uma consequência do primeiro. Aprendi, ao longo da minha vida, que não existe essa história de que é melhor ser um rei entre os pobres ou um pobre entre os reis (ou coisa que o valha). O bom aluno se destaca, no longo prazo, mesmo quando vem de uma escola muito mais fraca para uma muito mais forte. Ele pega o ritmo. O mau aluno será sempre mau, esteja na melhor faculdade do mundo ou na pior. Ele sempre se nivela por baixo, pelo mínimo. 

O terceiro requisito é o mais complicado. Já disse várias vezes que fazer uma boa faculdade não é fazer uma faculdade boa. Eu apostaria meu dinheiro na aprovação de um excelente aluno de uma péssima faculdade do que no pior aluno da melhor faculdade. Mas sou obrigado a reconhecer que, perifericamente, esse fator “faculdade boa” tem importância. Ele aumenta suas chances de ter melhores professores, que lhe transmitam o conteúdo com mais qualidade, evitando que você tenha buracos na sua formação. 

Por fim, o último requisito, o menos importante, é o da chamada “facilidade” ou “inteligência”. Quantas vezes já ouvimos um professor dizer “Fulano é tão inteligente, pena que não se esforça”. Eu digo: então ele é burro, porque desperdiça a inteligência que tem. Direito é uma ciência que exige muito esforço e pouco talento. Não é como a engenharia, a medicina ou as artes, em que a pessoa pode simplesmente ser boa nisso. Só se aprende Direito estudando. Mas, de novo, perifericamente, eu reconheço que quem tem facilidade para aprender tem uma vantagem, pelo menos potencial, para se tornar um bom aluno. 

Pois bem, se você se reconheceu nesses elementos ou em alguns deles, você é um bom aluno e eu quero tratar aqui de alguns problemas que você provavelmente tem: 1) Você tem elevadas expectativas sobre si mesmo e sobre o tempo que vai levar para passar; 2) Você é resistente a mudanças, especialmente em relação ao seu método de estudos; 3) Você tem baixa tolerância a frustração. 

O primeiro problema é o mais comum e evidente. O bom aluno sai da faculdade achando que, ao final do primeiro ano de formado, vai ter um cargo público e, logo após três anos, vai ser juiz ou MP (ou algo mais que lhe interesse). Era isso que eu pensava e isso é um equívoco. Você deve, evidentemente, ter metas de aprovação e monitorar o seu progresso, fazendo um diagnóstico das suas reprovações. Mas estabelecer prazos tão apertados só servirá para pressioná-lo. Ser aprovado, hoje em dia, é algo que, em regra, leva tempo. Pense em você mesmo sempre como regra. Se for exceção, ótimo, mas não se julgue uma antecipadamente. Então, mesmo que você tenha se formado como o melhor de sua classe, o melhor é "baixar a bola" um pouco e ter consciência de que a aprovação pode demorar mais do que você gostaria. 

O segundo problema é o da mudança, ou "em time que está ganhando não se mexe". Quem é bom aluno acha que, sendo bom, sabe estudar e, por isso, não precisa mudar os métodos que utilizou na faculdade. Isso não é verdade. O estudo para concurso é diferente. Por exemplo, conheço muitas pessoas que se perdem porque querem estudar por livros muito profundos para a primeira etapa. Primeira etapa (salvo MPF) é lei e jurisprudência. Não adianta perder tempo lendo tratados. Conheço pessoas muito boas que nunca chegaram onde queriam porque não conseguem passar da primeira etapa. São "desorientadas" com o estudo. Correm de livro em livro e não entendem porque seus resultados são tão ruins, quando eram alunos tão bons. É preciso corrigir isso. 

Por fim, a tolerância ao fracasso. Esse é o problema psicológico. Quem quase nunca fracassou na vida, quando chega no concurso e não atinge o resultado esperado, tende a um desequilíbrio emocional em um prazo muito curto. Recebo mensagens de pessoas recém-formadas ou com dois ou três anos de formatura, completamente desestabilizadas porque não estão passando no concurso que queriam. Pessoal, vamos voltar para a Terra! A concorrência é muito grande, as provas são muito difíceis e a matéria é enorme. Eu sei que é difícil (acreditem, ninguém é mais dramático do que eu), mas, meu caro bom aluno, procure evitar que a frustração das elevadas expectativas que você tinha durante a graduação tirem você do seu caminho. 

Duas lições ficam: no longo prazo, esforço vale mais que capacidade. No longo prazo, não é infrequente que alunos piores (não os péssimos, mas os médios) cheguem mais longe que alunos melhores, porque eles aguentam ouvir 99 nãos antes de ouvir um sim. Os bons alunos têm dificuldade em aguentar isso e, para parar de sofrer, preferem diminuir seus objetivos e se contentar com uma meta menor. Esse é um grande obstáculo para um bom aluno superar.

3 comentários:

  1. Um dos posts mais importantes do seu blog professor! grandes abraços!

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  2. Notícias sobre o 28º, será q sai esse ano??? Obrigado

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  3. Impressionada com o realismo da postagem!
    Prazer em conhecê-lo, doutor. Conheci seu blog ontem e desde então venho dissecando suas postagens... Esse, especialmente, apostaria q o senhor me conhece pessoalmente, só não sabe quem eu sou.. kkkkk Muito obrigada!
    A partir de agora, serei leitora assídua.

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